terça-feira, fevereiro 19, 2008

Contos


Adieu, Gringoire!

L´histoire que tu as entendue n’est pas un conte de mon invention. Si jamais tu viens en Provence, nos ménagers te parleront souvent de la cabro de mousu Seguin que se battégue touto la nuei emé lou loup, e piei lou matin lou loup la mangé.

Tu m’entends bien, Gringoire :

E piei lou matin lou loup la mangé.

Alphonse Daudet



Acordar madrugada abrindo, ao som da chuva soprada de vento ou simplesmente pingando dos beirais, deixa-me quieta, sem abrir os olhos. Posso fantasiar um outro espaço, posso até abrir o meu cesto mágico.

Ele está cheio de todas as histórias que me guarneceram a infância como as camélias matizam agora a primavera. E são de todas as cores: de raposas matreiras e fadas boas, de princesas más que se transformavam em gatas, de meninas que conviviam com bichos – Bonne Biche, Beau Mignon – meninos que corriam mundo entre as asas de um ganso, aquela D. Redonda que, feita missanga colorida, entrou no mundo das formigas; do Sandokan, de piratas, de viagens sobre e por baixo da terra. Só mais tarde Walter Scott e Ponson du Terrail, Delly dos príncipes russos e das valquírias.

Há a releitura dos contos de crianças – o Capuchinho Vermelho de Perrault, a Alice no País das Maravilhas – puras alegorias, alguns nos deixam imagens de escrita belíssimas como aquele conto impar da cabra do Sr. Séguin, enfim liberta da corda que a prendia, que vive um último dia de liberdade plena, de euforia, de exaltação, inebriada pela montanha que a recebeu em festa: os abetos em vénias porque nunca tinham visto nada tão bonito, os castanheiros dobrados para acariciá-la com a ponta dos seus ramos, as flores douradas e as campânulas azuis espalhando perfume em seu redor. Só até ao crepúsculo. Até a noite chegar.

Os contos de encantar da Xerazade, os contos suaves do Natal, a Dama Pé-de-Cabra e a Aia, deixaram-me o gosto de os ouvir, de os contar, de os ler, mesmo os contos de Torga talhados em rocha dura. Mas os meus aprazimentos estão com Aquilino e a sua prosa riquíssima de metáforas e figuras que me deliciam.

Mil novecentos e setenta e quatro deu início a um conto diferente. Apanhou-me em plena corrida por prados verdejantes e florestas de duendes, porém o corcel falhou um salto. Estatelei-me em Oran. Paris continuou Paris , revelou ao mundo Tarkovsky, mas eu estava de quarentena.

Quando regressei, não passava de um pied-noir.



10 comentários:

Rafael Almeida Teixeira disse...

Gosto dos contos que causam um efeito singular no leitor; muita excitação e emotividade.
Gosto de ter gostado dos contos orais que meu pai trazia a cama para eu dormi. Eles me fizeram o que sou.
Por fim, gosto de ler contos que tenha o imprevisto dentro dos parâmetros previstos.

PS: Mês passado escrevi um conto. Curto, mas irônico, humorado e verossímil.

bettips disse...

De novo, a nostalgia da memória que tanto nos ensinou. Fiz contigo o percurso, dos contos. Aqui, tínhamos a cabeça no negro/cinza, só a infância nos sorria por a não sabermos.
Quanto ao Bolhão, no teu 1º comentário, evidente que sentimos melhor a ausência do BELO quando ele falta. O que conto de há 40 anos é verdade, o que quero para hoje é a preservação/conservação dum espaço que ali está bem. Nos últimos anos, só pedra... é ver aquela av. dos Aliados! Os conceitos liberais e economicistas são uma via de empobrecimentos da cultura e da memória. Já leste de certeza o que se prepara, "empenhar" e mascarar de CC algo de muito nosso!
Beijinhos

Manuel Veiga disse...

a memória reinventada. excelente.
uma escrita muito sugestiva e envolvente...

M. disse...

Fabuloso!

Rocha de Sousa disse...

Poderia dizer como M.- «Fabuloso!».
E verifico como os seus comentado-
res apreendem a memória subtil de outras primaveras, bem como a pas-
sagem para além do logro, a trans-
ferência brutal para uma contempo-
raneidade ainda mal vivida. O seu filme faz lembrar aqueles caminhos
fílmicos que descrevem a viagem ilusória da felicidade a terminar num súbito plano do abismo. Oran,
dizia Camus, era uma cidade inima-
ginável, sem plantas nem pombos. A
verdade dói, mas compreende o sen-
tido da verdade reconduz-nos para
perto da luz.
É amarga a sua referência aos «pied
noirs». Possível de dizer, em Por-
tugal, para exprimir certas univer-
salidades. Mas aqui nunca se usou
tal expressão, nem equivalente. O
«retorno» pode ser honroso.
Rocha de Sousa

Rocha de Sousa disse...

Tenho o mau hábito de não rever, ou
dar uma olhadela, relativamente aos textos escritos em contactos como os nossos, aqui. Lá vão os erros de origem «digital», em particular.
No texto que coloquei na sua zona
de comentários, a certa altura, quase no fim, lê-se «compreende a luz» e deve ler-se «compreender a luz».
RSousa. Com amizade

Rocha de Sousa disse...

É fabuloso: faltou «o sentido»!
«A verdade dói, mas compreender o
sentido da verdade reconduz-nos
para perto da luz»
outra vez eu:RS

PS: eu sei que isto é mais a brincar do que outra coisa, mas
eu mereço estes castigos.

TIAGO ENES disse...

Oi

O Blog tá muito legal!
Bons posts!

Parabéns!

Abraço!


Se puder visite!!!

http://tiagoenes.blogspot.com/

rui disse...

Olá Jawaa

Lindo!
Teu cesto mágico é fantástico, está repleto de histórias de sonho!
Adorei!

Que tenhas um divertido fim-de-semana

Abraço

Sant'Ana disse...

Pela tua mão subi ao escadote e retirei essas páginas sempre dispostas a serem lidas, a cada qualquer momento. Talvez o escadote abane e na vertigem me sinta a caír na tentação de não sair desse percurso de viagens ao meu passado. Mas tenho a tua mão e desço. Regresso ao chão, impacto de outros textos, outros livros, pied noir que espreita sob a saia da realidade.
Desajustada?
Com toda a certeza.

Um beijo