quarta-feira, janeiro 23, 2008

GENEROSIDADE

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A anti-rosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

Vinícius de Morais




Esta fotografia circula pela Internet.

Traz-me à memória décadas de luta pelos circos do ensino, pelos palcos da salas de aula, na partilha de outros mundos de crescimento mútuo. Dos tempos em que era preciso tratar temas diferenciados e únicos a um tempo: amor, solidariedade, fraternidade, igualdade, e por aí adiante.

É fácil acender nos jovens o espírito solidário quando os ideais são tudo, a amizade a vida, a curiosidade um vício a cultivar. Apontar caminhos é a função pedagógica e os exemplos abundam, se bem que as definições sempre mais difíceis, mais redutoras. Aprendi com a simplicidade dos mais novos que a solidariedade é a amizade como dádiva a quem não se conhece.

É mesmo isso. Mas muito mais fundo, raiando a utopia, porque teremos de nos despir de nós, teremos de sentir escorrer de nós o sangue dos outros para que a entrega não tenha sabor a caridade, palavra de que não gosto na conotação que me passa.

Esta imagem tira-me a voz.

Faz escorrer dos meus olhos o rio que escorre pela minha terra em doçura e beleza e prodigalidade, recebe nele o Luena, toma outros rumos, atravessa um continente distribuindo energia e espraia-se à chegada ao Índico num delta marcando o seu lugar entre os maiores. Agora a beleza do Zambeze semeia a fome e a dor.

Esta imagem também me lembra isso.

Mas vai muito mais fundo.

É a nobreza da generosidade.

7 comentários:

Rafael Almeida Teixeira disse...

Penso que a grandeza de alma pode ser medida pelos atos.

Só isso tenho a dizer.

Abraços afetuosos.

Rui Caetano disse...

Os actos, os comportamentos, a força em agir nas coisas que queremos mudar, a atenção ao mundo desfavorecido, o que se vê é que urge ser implatada neste nosso planeta terra.

mena maya disse...

É a generosidade e o amor ao próximo em estado puro!

Impressionante a imagem, lindas e profundas as tuas reflexões!

Manuel Veiga disse...

o poema é belo. a foto um libelo acusatório que a todos nos implica.

Sant'Ana disse...

A generosidade como acto em si de dar, dar-se.

Sem a expectativa do retorno, do negócio filado.

Esta fotografia dói-me.
Talvez pelas tas palavras, pelas memórias de um tempo em que o homem lapidou o futuro.

Haja esperança, haja o olhar de.

Um beijo

M. disse...

Gosto da tua lucidez.

Rocha de Sousa disse...

«Esta imagem tira-me a voz.»
Sua voz, apesar de plácida, de sú-
bito enrouquecida pela memória das
perdas e pela ideia de um mundo ou-
tro,tocado pela generodidade, pela solidariedade, fraternidade,igual-
dade. E assim. Há imagens que mo-
bilizam a nossa urgência de falar e só um dia, depois de tantos mortos e túmulos, nos é permitida a pausa e a capacidade substituir, para todas as crianças do mundo, a imagem doendo pela palavra enfim dita.
«Gosto da tua lucidez», escreve al-
guém na cumplicidade possível.E ou-
tro clama: «Esta fotografia dói-me»
São frases de quem recebeu a sua generosidade, a percepção que tem da utilidade do blog que em breve
nos liga uns aos outros, na paz de
cada presença oculta, já colada ao
nosso coração. Aqui ouvimos a sua dor a partir do belo Zambeze que agora semeia a fome e a dor. Deus
«não é grande», não chega tão lon-
ge. Cá ficamos a soletrar o que nos
resta de sublime: na «nobreza da
generosidade.»
Rocha de Sousa