segunda-feira, novembro 05, 2007

O Paraíso


A propósito de Rojas Giménez, direi que a loucura, certa loucura, anda muitas vezes de braço dado com a poesia. Assim como custaria às pessoas equilibradas serem poetas, talvez custe muito aos poetas serem equilibrados. No entanto a razão ganha sempre a partida, e é a razão, base na justiça, que deve governar o mundo. Miguel de Umamuno, que estimava muito o Chile, disse certo dia: «O que não me agrada, é esse dilema. Que é isso de pela razão ou pela força? Pela razão e sempre pela razão».


Pablo Neruda



Equilíbrio é tudo aquilo que facultou ao homo erectus a evolução, até se tornar o mais temido entre os animais e quase sempre pelas piores razões para o reino a que pertence. O aguçar da inteligência que os levou ao trono, mercê das leis da sobrevivência, a lei natural, deveria ter aperfeiçoado cada vez mais a sensibilidade, aquele sexto sentido que desperta em nós o alarme, sempre que sentimos no outro o temor pela nossa investida. Cada vez mais donos do mundo, cegos pelo poder, olhamos o nosso umbigo, mais e mais afundado em gordura, separado da natureza que possibilitou o nosso esplendor.

Não é sem razão a metáfora do paraíso perdido, após a colheita da maçã pelo primeiro homem. Não no sentido que a nossa religião lhe dá, completamente absurda porque contrária à lei do criai-vos e multiplicai-vos. Só mesmo a incultura pode alimentar o mito. Mas sendo do conhecimento dos homens a mais comezinha certeza de que colher uma maçã os pode expulsar do Paraíso, sabendo que há outros pomos quiçá mais suculentos, não parece digno o Homem de hoje usar a coroa da inteligência.

Plantar um eucalipto em vez de um sobreiro, usar um papel em vez de plástico, reciclar em vez de desperdiçar, replantar em vez de destruir, amar em vez de vilipendiar. Em vez do pássaro-lira dentro de uma jaula, usar uma gaiola bonita com um pássaro de porcelana. E colocar ao lado duas pequenas gamelas coloridas para fingir de bebedouro. E o pássaro?

Deixar que voe e encante os meninos na escola, deixar que

les vitres redeviennent sable

L’encre redevient eau

Les pupitres redeviennent arbres

La craie redevient falaise

La porte-plume redevient oiseau

tal como escreveu Prévert.

No fundo, no fundo, há sempre um Deus para nos expulsar do Éden.



10 comentários:

rui disse...

Olá Jawaa

De forma bem cativante expões aqui o “nosso paraíso”!
A última frase do teu texto fez-me lembrar algo que li de Giovanni Papini, em “Palavras e Sangue”.
- “ Vejo nos seus olhos que me quer perguntar alguma coisa e sei o que é. Como foi que Adão e Eva, apesar de terem comido o fruto proibido, não se converteram em deuses, mas foram arrojados pelo seu Deus do belo jardim? “.
A resposta é desconcertante e, todo o livro muito interessante.

Abraço, Jawaa

Anónimo disse...

O nosso Paraíso com manchas de ignorância, ambição de poder, etc. Como tudo poderia ser diferente e como está em nós torná-lo diferente. Excelente reflexão.

Beijo.

Isabel disse...

Deixar os pássaros voar írá ajudar-nos a manter equibrado o nosso voo.

Sou uma pessoa pouco equilibrada mas faço tudo por manter equilibradas as asas com que voo, mente alma e coração.

tento equlibar também os meus voos, não me importa perder o norte mas não quero nunca perder a humildade a capacidade de aprender e me de me melhorar por isso subo e desco, subo e desco olhando sempre a vida de todas as prespectivas.

Voo alto, mas também desco ao fundo só assim estamos com o mundo e dentro do mundo.
O meu paraiso é longe mas só de perto possemos ajudar outros a alçancar o seu próprio paraiso.

Um grande abraço amiga

Isabel

Fragmentos Betty Martins disse...

Querida Jawaa

Os seus temas são sempre apaixonantes. e me deixam em plena reflexão

Beijinhos com carinho
BS

bettips disse...

Quando aqui paro, vejo e leio. A reflexão dos pensamentos é-me distraída pelas fotografias, pelas pequenas referências de infância, pelas pinceladas de verdade tout court. Apreciada.
Olha que chorei há que anos ao ver "Os Girassóis" à minha frente, um pequeno quadro. Mas aqui, nesta noite de VGogh que fiz de minha intenção, importante era a angústia e "as pessoas que passam e não se quedam", as duas figurinhas do quadro que fogem dele. Era essa a minha parábola.
Tal como o pássaro amarelo que não era pássaro e de que ambas gostamos. O que queremos "dizer e não dizer"... Beijinhos

Kalinka disse...

OLÁ AMIGA
como continuo a adorar ler-TE...

Não sei onde vives, por isso...quem sabe este recado pode ser útil?

Para os Amigos bloguistas que me visitam, segue a informação adicional:
O Festival vai até ao dia 1º de Dezembro;o encerramento é neste dia, é representada a peça da casa: A Farsa de Mestre Pathelin - encenada por Manuel Ramos Costa, dirigida a um público adulto.
Quem viver no Norte do País e estiver interessado é só visitar o site:
www.contactovar.com

BEIJITOS.

Hoje tirei umas horitas para fazer uma visita, pois ando atrasadissima com as visitas aos blogues dos Amigos.

naturalissima disse...

Pablo Neruda, um dos escritores que leio com muito prazer...

Como sempre, limpa nos textos, na sua maneira de transmitir algo vai tocar-nos.

Passei, para uma visita breve :)

Rocha de Sousa disse...

Jawaa,
Li os comentários, uns melhores do
que outros, e reparei que parece haver consenso quanto ao «injusto» arbítrio de Deus e quanto à reali-
dade do «paraíso perdido». No fundo
no fundo, mesmo os de maior auto-
estima, por vezes alienados no con-
sumo, parecem reconhecer que o pla-
neta está doente e que as socieda-
des humanas se degradam mais veloz-
mente do que haviam previsto os cientistas. A sua meditação, com-
portando talvez alguma amargura, não deixa de passar por um quadro
ordenado e pacífico - coisa sua, não do mundo.
Até breve
Rocha de Sousa

vida de vidro disse...

Um Deus para nos expulsar do Éden. Não sei. Não somos nós próprios que nos expulsamos de um possível paraíso? **

rui disse...

Olá Jawwa

Que tenhas um lindo fim-de-semana
Abraço