quarta-feira, novembro 14, 2007

Conscientemente


Conscientemente escrevo e, consciente,

medito o meu destino.

No declive do tempo os anos correm,

deslizam como a água, até que um dia

um possível leitor pega num livro

e lê,

lê displicentemente,

por mero acaso, sem saber porquê.

Lê e sorri.

Sorri da construção do verso que destoa

no seu diferente ouvido;

sorri dos termos que o poeta usou

onde os fungos do tempo deixaram cheiro a mofo;

e sorri, quase ri, do íntimo sentido,

do latejar antigo

daquele corpo imóvel, exumado

da vala do poema.

Na História Natural dos sentimentos

tudo se transformou.

O amor tem outras falas,

a dor outras arestas,

a esperança outros disfarces, a raiva outros esgares.

Estendido sobre a página, exposto e descoberto,

exemplar curioso de um mundo ultrapassado, é tudo quanto fica,

é tudo quanto resta

de um ser que entre outros seres,

vagueou sobre a Terra.

António Gedeão



1 comentário:

M. disse...

Gosto muito deste poema.