sexta-feira, agosto 24, 2007

Ouvir a Paz

«Tristeza é notícia? Tanto eu tinha um aperto de desânimo de sina, vontade de morar em cidade grande. Mas que cidade mesma grande nenhuma eu não conhecia, digo. Assim eu aproveitei para olhar para a banda de donde ainda se praz qualquer luz da tarde. Me lembro do espaço, pensamentos em minha cabeça. O riacho-cão, lambendo o que viesse. O coqueiro se mesmando. A fantasia, minha agora, nesta conversa – o senhor me atalhe. Se não, o senhor me diga: preto é preto? branco é branco? Ou: quando é que a velhice começa, surgindo de dentro da mocidade.»

João Guimarães Rosa




Também é preciso saber ouvir a paz.

A paz que se abeira com a noite quieta, morna, sem brisa, deste Estio que nos chega moderado.

A meio da noite, a lua consegue chamar a si a atenção por entre os focos de luz com que os homens quiseram destroná-la. Mas ela impõe-se já, na luminosidade branca que nos seduz. Só as estrelas se apagam quase; só a Estrada de Santiago se envergonha diante do progresso. E é pena. Olhar o céu na noite é o ioga dos campesinos, dos pastores, dos simples: «le jour, c’est la vie des êtres; mais la nuit, c’est la vie des choses». E que coisas bonitas sabem…

Quase não passam carros. Ouve-se o ladrar muito longe, que os lebréus dos casais dormem tranquilos na soleira das portas. O casebre defronte guarda os segredos da desventura de mais e menos jovens que apostam a vida numa jogada em que já estão a perder.

Mas ouvir a noite, aspirar o silêncio, olhar o carvalho majestoso, o pinheiro inclinado pelos ventos, as oliveiras que ainda permanecem, sentir a relva nas mãos, o pêlo macio do companheiro fiel, não pensar para além de tudo isto, é parar para sentir a vida, na água que cresce nos olhos.

É ter capacidade para ser feliz.


3 comentários:

M. disse...

Gostei da tua paz.

naturalissima disse...

"...Mas ouvir a noite, aspirar o silêncio, olhar o carvalho majestoso, o pinheiro inclinado pelos ventos, as oliveiras que ainda permanecem, sentir a relva nas mãos, o pêlo macio do companheiro fiel, não pensar para além de tudo isto, é parar para sentir a vida, na água que cresce nos olhos.

É ter capacidade para ser feliz."

Sinto-te assim... desde que te conheci! Agrada-me esta paz, este estar, este viver, este sentir...

Voltei...
Um beijinho

Luíza Frazão disse...

Na verdade, nada temos a dizer diante da eloquência de um "carvalho majestoso"...
É bem necessário invocarmos o "carvalho", o "pinheiro", a "oliveira", a "urze"... para que o Planeta não seja engolido pelo betão e pelo plástico...
Obrigada pelo seu magnífico texto e estado de alma.

Abraço