terça-feira, maio 27, 2014

NÓS E A HISTÓRIA




No nosso Portugal é uso antigo,
Depois da ceia alegre em chilreada,
Fazer-se à noite a reza costumada,
P’ra que o Senhor nos livre do Inimigo.
Rezava o pai o terço com a piedade,
Que já seus pais outrora tinham tido;
E num tom religioso e comovido,
Respondiam os filhos com bondade.

E a Maria, uma moça donairosa,
Balbuciava baixinho e descuidosa
Esta prece, que só um anjo tem
Quando a caminho para Deus se vai:
«Santa Maria, Mãe de Deus, rogai
Rogai… p’lo nosso amor, para sempre. Amen.
«Rezas à Noite», José Marques da Cruz
Cantado por Luiz Goes
 


A composição que hoje abre esta postagem pode situar-se historicamente no rescaldo das reacções católicas à Questão Religiosa da 1ª República, devido ao pendor nacionalista e conservador que alguns lhe atribuem. Isso não lhe retira a qualidade de uma das mais belas canções de Coimbra na voz saudosa e inigualável de quem a divulgou.

Foi por esta viagem às vozes de Coimbra (Luiz Goes foi contemporâneo de José Afonso) da minha juventude, e mais concretamente a este poema e à história dele, que me acudiu a velha máxima de que a História se repete. E a História repete-se não é mais do que constatar que os homens regem quase sempre da mesma maneira perante estímulos semelhantes. E estamos nas eleições acabadas de acontecer nesta Europa cada vez mais à deriva, numa França – assustada com a sua segunda maior cidade transformada em Magrebe no seu melhor! – e logo a França(!), a colocar os votos na mão da extrema-direita, como se isso fosse a cura de todos os males. Estamos numa Europa em que mais de 130 dos deputados eleitos são contra a União Europeia.

Portugal pelo menos vota na esquerda, numa esquerda desejável, como um dia votou em massa num PRD incapaz, como votou num BE inoperante, como votou agora no MPT porque deu voz a alguém que aponta o dedo, sem peias, à corrupção que grassa em todos os campos. E finalmente a abstenção numa percentagem avassaladora, dizendo bem do descontentamento de quem se sente injustiçado e impotente.

É preciso, é urgente, preservar a democracia. Não sendo a perfeição desejada por muitos, é com certeza a única organização política que dá voz a todos os cidadãos. E é preciso que as suas vozes se façam ouvir, não fazê-lo é omitir-se e é ferir a democracia. Eu não votei nas últimas eleições, não votei determinadamente; senti-me mal por isso, mas foi bom tê-lo feito. Deu para pensar repetidamente no assunto e chegar à conclusão de que é preciso inverter esta situação e não é com avisos ou pedidos de dirigentes em quem ninguém acredita que se chega lá. Também não é com obrigações, não é com portarias que se resolve o assunto.

Alguns comentadores falaram nisto, sem soluções precisas. Eu penso que seria eficaz retirar benesses do Estado a quem não participasse nas eleições (Dar para Receber). Mas, antes de avançar, fazer reflectir sobre o assunto, largamente. Se o Estado existe, é porque o Estado somos nós, e isso o povo em geral parece desconhecer. Se o Estado existe, tem de ser gerido e nós temos de pagar, é algo em que o povo não pensa. Se o Estado existe, e o Estado somos nós, temos de saber o que é o Estado, o que faz, como faz, quando faz, onde faz. Se o Estado existe, alguém tem de o gerir e ser bem pago por isso, mas porque somos nós que pagamos, temos de ser muito exigentes e saber onde está o nosso dinheiro. Não podem os dirigentes – que nós elegemos e a quem nós pagamos – decidir num dado momento que os seus salários são aumentados em 5% e no mesmo momento decidir que os salários do povo têm de ser diminuídos em 10%.

E não faz o menor sentido, convenhamos, que aqueles que nós elegemos devam ser guardados em redomas, não faz sentido que sejam cidadãos diferentes de nós. Nós, o povo. Tudo isto porque eles também são do povo, eles são o povo. Que eu saiba, nem sequer somos , ainda, um país monárquico. 


1 comentário:

Manuel Veiga disse...

concordo...discordo... rss

tenho porém plena convicção que não votar uma "saída em falso"

beijo.

("foi bonita a festa, pá! ...")