quarta-feira, janeiro 01, 2014

A PRIMEIRA HORA




Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções

para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

Carlos Drummond de Andrade, Dezembro/1997.



Desci ao jardim, na primeira hora do ano, a perguntar à neblina breve que pairava, qual a diferença entre as outras noites e esta que é tão festejada pelos homens. Da aldeia, apenas ao longe se viam clarões e ruídos do fogo preso da cidade, um ou outro rebentamento de foguetes mais perto - a que não consigo acostumar-me, mau grado os anos passados sobre outros sons idênticos que ainda vibram cá dentro, tinindo de brevíssimo temor.

A neblina adensou um pouco mais, desceu sobre a estrada de alcatrão e pintalgou-se colorida com os faróis que passavam. Os cães, calados, dormiam enrolados sobre si com as correntes ao lado, pousadas sobre o cimento frio, e um ou outro gato passava de manso pelos muros da vizinhança. A temperatura nem feria neste inverno rigoroso, mas a fogueira seria bem-vinda para encantar a noite, para dizê-la diferente, abrir sonhos e fantasiar imagens, segredar crepitações saídas do ventre dos troncos e raízes, encher o espaço de monstros retorcidos vomitando labaredas.

O ano novo é uma falácia, nem novo nem diferente. A chuva e o tempo invernosos seguem sem alteração, as roseiras esperam pacientes a poda, o chão cobre-se de folhas que o vento arruma a seu bel-prazer, a magnólia mantém fechados os casulos até chegar a primavera para deixá-los então abrir e vestir-se de flores claras. Os pardais não bulham, o cuco não canta, menos ainda o melro, as rolas passam mas não arrulham. Só o pisco se aproxima sem medo, e raramente.

E os homens se deixam enganar.



2 comentários:

Anónimo disse...

Visites Por Favor - http://ellismontechiari.blogspot.com.br/2012/05/o-que-plantar-isso-tambem-colhera.html
a sua visita é muito importante, faço questão, a propósito adorei este espaço, me identifiquei muito! Obrigada por tudo quem tem feito por mim.

Beijos de sua eterna amiga e SEGUIDORA com certeza!

Manuel Veiga disse...

serena sobriedade a tua...

... e no entanto, a vida pulsa em cada palavra.

Bom Ano

Beijo