quinta-feira, maio 30, 2013

SOBREVIVÊNCIA




Vinha de um mundo
Sonoro, nítido e denso,
E agora o mar o guarda no seu fundo
Silencioso e suspenso.
É um esqueleto branco o capitão,
Branco como as areias
Tem dias concha na mão
Tem algas em vez de veias
E uma medusa em vez de coração.
Em seu redor as grutas de mil cores
Tomam formas incertas quase ausentes
E a cor das águas toma a cor das flores
E os animais são mudos transparentes.
E os corpos espalhados nas areias
Tremem à passagem das sereias
Das sereias leves dos cabelos roxos
Que têm olhos vagos e ausentes
E verdes como os olhos de videntes.
Sophia de Mello Breyner Andresen





Os nós da vida apertados pelo tempo não se desatam, ressequidos pelo calor, por sobre a humidade de antes, pelo sal, pela poeira e sujidade dos corpos. Não há arte capaz de desenrolar os passos que marcaram datas, que escreveram nomes, que disseram segredos. Pode haver a coragem para cortar-se o fio, mas não é possível desatar o nó.


Qualquer revolução tem essa coragem, mas a história escreve que a luta que se segue pela organização do tecido novo é dolorosa e demorada, quase sempre traiçoeira nos intentos antes formulados. Cortar simplesmente o fio nem sempre resulta porque o defeito não está apenas nos caminhos ínvios que escolheu, mas principalmente na qualidade da sua estrutura, difícil de alterar.


E porque a constatação disso é muito forte, para contornar a dificuldade há tendência para deixar que o tempo resolva, o tempo que o homem já não tem. O tempo longo e pausado de que a natureza linear que tudo retoma e refaz em cada estação precisa para organizar-se, essa natureza fértil e activa que os homens, na sua ânsia de controlo – falso poder que o conduzirá rapidamente à extinção – desde há muito adulteraram, manipularam a seu bel-prazer.


As novas tecnologias resolvem na aparência todos os problemas e mergulham as consciências numa apatia voraz desligando-nos da mais brutal constatação que mexe com a sobrevivência.


Em Portugal fecharam no último ano mil e quinhentas padarias.


2 comentários:

Manuel Veiga disse...

um outro paradigma - precisa-se!...

belo teu texto.

beijo

Rafael Almeida Teixeira disse...

muitas tecnologia tem feito de mim uma pessoa melhor.
As TIC faz com que sejamos bons; do contrario elas não nos serve.