sexta-feira, janeiro 18, 2013

CONSTRUÇÃO DO MUNDO



Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero,
há calma e frescura na superfície intacta.
Ei-los sós e mudos, em estado de dicionário.
Convive com os poemas, antes de escrevê-los.
Tem paciência, se obscuros. Calma, se te provocam.
Espera que cada um se realize e consuma 
com seu poder de palavra
e seu poder de silêncio.
Não forces o poema a desprender-se do limbo.
Não colhas do chão o poema que se perdeu.
Não adules o poema. Aceita-o
como ele aceitará sua forma definitiva e concentrada
no espaço.

Chega mais perto e contempla as palavras,
cada uma
tem mil faces secretas sob a face neutra
e te pergunta, sem interesse pela resposta,
pobre ou terrível, que lhe deres:

“Trouxeste a chave?”
 Carlos Drummond Andrade 



Gosto das noites lavadas outonais, quando no céu limpo as três marias se perfilam na constelação de Orion, o vento não corre e a temperatura vem ao tom do corpo. Mas em pleno inverno, depois da chuva, olhar o firmamento no possível silêncio não deixa de ser apetecível.

Há um conceito generalizado de que todos sabem que a Terra é redonda, caminha em torno do Sol e gira sobre si própria em torno de um eixo que é suposto saber-se imaginário. Em tempo idos, isto aprendia-se na escola dita primária, onde havia lousas e sebentas de papel escuro e grosseiro e um quadro negro onde se escrevia a giz. Quando havia nas salas um globo redondo com os mares e continentes e as crianças, com alguma relutância, aceitavam que se caminhava por cima dele e que uma força interior feita de fogo nos prendia ao planeta e nos impedia de sairmos desgovernados por esse firmamento além. Esse firmamento onde se alinhavam estrelas formando constelações com nomes de bichos e seres fantásticos, que tinham a função de orientar os navegantes quando descobriam o mundo nos caminhos do mar imenso.

Mas os tempos mudaram e tudo aparentemente gira mais depressa que a Lua em torno da Terra e ambas em torno do Sol, e a Terra em torno de si própria. Tão mais depressa que algo se perdeu pelo meio, talvez as estrelas fugissem para outras galáxias inquietas pelos satélites dos homens em volta da Terra. É que a geração que hoje frequenta a escola, já não primária mas básica, já não conhece sebentas, menos ainda quadros de lousa e nem sabe o que é o giz. Não tem necessidade, nem tarda não conhecer as esferográficas ou saber desenhar as letras; elas aparecem no ecrã do computador e é só conhecê-las e apontar com o dedo, o salto divino entre a lousa e o IPad. Também não é preciso haver professores, afinal a internet ensina tudo, também as estrelas e os planetas e as nuvens e os bichos ali bem vivos, mesmo os que viveram antes dos Humanos dominarem a Terra. Também nem é preciso ter avós, que a internet os mostra em versão actualizada nos Lares de Terceira Idade, sem outras competências para além de serem pesados ao Estado e aos filhos.

A economia, o individualismo, o pragmatismo, o desenraizamento, a soberba, a ignorância dominam o mundo actual. Não há lugar para os poetas, para os avós, para os humanistas. Não há espaço para o silêncio, para ouvir o apelo das Palavas. 

2 comentários:

Manuel Veiga disse...

... e no entanto, a "Terra move-se" no seu ritmo.

assim amadureçam os frutos das sementes/palavras que aqui deixas...

Rocha de Sousa disse...

Gostei muito de dolência com começa
todas estas viagens, mas admiro que
elas nos levem a um protesto linear
e lúcido

João