domingo, janeiro 27, 2013

BONANÇA



Junto da mandioqueira
perto do muro de adobe
vi surgir um marimbondo

Vinha zunindo
cazuza!
Vinha zunindo
cazuza!

Era uma tarde em Janeiro
tinha flores nas acácias
tinha abelhas nos jardins
e vento nas casuarinas,
quando vi o marimbondo
vinha voando e zunindo
vinha zunindo e voando!

Cazuza!
Marimbondo
mordeu tua filha no olho!

Cazuza!
Marimbondo
foi branco que inventou...
Ernesto Lara Filho

 
Agora que os anos somam e os lubrificantes sinoviais começam a perder a suavidade da sua consistência, achei por bem fazer o que nunca aconteceu na juventude: periodicamente dirijo-me a um local bem tranquilo, com música de fundo repousante, onde uma voz branda ordena movimentos cautelosos mas firmes que – confesso – nem sempre me disponho a implementar na sua totalidade. Mais para o final de cada sessão há movimentos aprazíveis sobre o finíssimo colchão de espuma, como o espreguiçar e seguidamente relaxar, centrando o pensamento apenas na respiração: inspirar profundamente e depois deixar sair devagarinho o ar sem pensar em nada. Pensar na respiração… não é pensar? 
Não, não deve ser, porque é absolutamente repousante. Por outro lado, então me surgem pensamentos estranhos, do ser e não ser ao mesmo tempo poderem coincidir, penso como é difícil fazer a divisão das coisas, estabelecer limites entre conceitos, é tudo tão vago, tão indefinido, quando se trata de classificar sensações, sentimentos, a dicotomia do bem e do mal que nos foi imposta pela religião na infância – e cai por terra completamente quando a mente acorda para o mundo que nos rodeia, basta ver a mentira reprovada, continuadamente solicitada em nome da educação.
Tudo tem o seu tempo, nada é por acaso, a história do homem tem de estar bem presente, subjacente aos factos, aos sentimentos, aos sentidos, a mais leve referência fora do contexto devido distorce toda e qualquer mensagem. Quando tudo arde em volta, quando o tsunami chega varrendo as coisas, quando o grito de medo sufoca na garganta, como não deixar tudo, fugir sem pensar, correr para longe?
Diz um provérbio árabe que «a palavra é de prata mas o silêncio é de ouro» e nesta frase há subjacente uma enorme sabedoria, quem sabe nascida das areias do deserto, a palavra como marca deixada pelos beduínos na sua perpétua caminhada através de dunas e oásis. É que as palavras por vezes assustam o pensamento quando ele acorda devagarinho longe dos dias que passam tão cheios de incertezas, corre de manso para aqueles outros, dias de medos pequeninos que nos pareciam do tamanho do mundo, logo desmanchados em tamanho de noz e desfeitos na primeira risada.
Só porque sim.

3 comentários:

Manuel Veiga disse...

serenas as águas em te moves - com um vulcão por dentro...

belas sempre. tuas palavras.

beijo

Rocha de Sousa disse...

Já estava aflito com as portas tão
fechadas. Desculpe as ausências.
Vim de novo ao encontro da doçura
dos seus textos: bela ideia de re-
pouso, com benefício articular. É
lindo conseguir fazer isso. Um dia
conto-lhe como repouso.
Mas não gostei do provérbio árabe.
Para mim, o silêncio nunca é de ou-
ro. É por ele que nos damos conta
do ruído que sobra sempre para nós.

João

M. disse...

Especial, este texto.