quarta-feira, maio 09, 2012

Página em Branco

E se, por hipótese, eu publicasse a biografia de António Lobo Antunes, não publicava a biografia de António Lobo Antunes, publicava a minha noção dele, dado que aquilo que somos, para nós mesmos, não passa da fantasia do que somos.
[…] Uma biografia autêntica em que ter as páginas em branco. Muitas páginas em branco. Todas as páginas em branco. Depois a gente lê o branco muito devagarinho e com muito cuidado e tudo quanto lá está, percebemos então, é verdade.

António Lobo Antunes



As crónicas de ALA, mais do que os livros, são um fascínio para mim pelas mesmas razões que ele aponta nesta mesma crónica quando diz que existe nele «suficiente curiosidade mexeriqueira que as biografias satisfazem», e é essa a razão que o leva a gostar de as ler.
Repetidamente Lobo Antunes escreve para si próprio mais do que para os leitores, ou talvez não, ele tem é a capacidade de fazer parte intrínseca dos seus leitores, daí a beleza da sua inquietude aberta para todos, as inquirições ao seu íntimo, as respostas que não tem, as revelações que deixa escapar querendo ou não, sempre despojadas, em sinal aberto, numa entrega total à escrita. Não conheço outro escritor assim.
E quando tenho surpresas de alguma espécie, porque em geral as desinquietações são comuns ao comum dos mortais, com as variantes próprias de cada indivíduo em especial, ele mais especial que todos muito simplesmente porque as sabe dizer, são sempre fortíssimas, capazes de comover-me verdadeiramente. 
Desta vez foi esta associação da verdadeira biografia de alguém só ser realmente autêntica se as páginas ficarem em branco. É que eu ouvi histórias antigas de cartas de amor enviadas completamente em branco, por mensageiros que percorriam dezenas de quilómetros para entregar… uma página em branco, simplesmente dobrada, dentro de um sobrescrito.

Estou de acordo com os dois. O amor e a vida não podem ser denunciados.
Apenas sentidos e escritos numa página em branco.

2 comentários:

Manuel Veiga disse...

supreendente o final da tua crónica.

reconciliaste-me com a (o) "página em branco" ...

incondicional da tua escrita. sempre.

beijo

Anónimo disse...

Estou em falta consigo, escreverei
em breve.
Gostei da lleitura que fez da pági-
na branca.Os manuscritos de ALA são
folhas carregadas de etascrita,no-
tas ao contrário, setas. Alguém ar-
ruma aquilo como nós arrumamos es-
sas páginas ilegiveis one sobram
gritos de gente em qualquer tempo.
Rocha de Sousda