quinta-feira, dezembro 22, 2011

A cave



Não basta abrir a janela
Para ver os campos e o rio.
Não é bastante não ser cego
Para ver as árvores e as flores.
É preciso também não ter filosofia nenhuma.
Com filosofia não há árvores: há idéias apenas.
Há só cada um de nós, como uma cave.
Há só uma janela fechada, e todo o mundo lá fora;
E um sonho do que se poderia ver se a janela se abrisse,
Que nunca é o que se vê quando se abre a janela.
 
Fernando Pessoa


Acho que perdi a voz.

Não vou ouvir este ano o crepitar da fogueira mansa na Noite mais longa, já sem chama a lamber os troncos grossos e informes. Da gruta incandescente emanando o calor das décadas, o fumo escrevendo no ar frio o nome dos ausentes que permanecem nas conversas dos que se quedam parados, curvados do peso dos anos, um ou outro riso, uma imprecação na hora de dar mais vida ao fogo. Quando as memórias de alargam, sobem no espaço do tempo que passou e galgam oceanos, continentes, a crescer o sentido de pertença a um povo, uma identidade, a ideia do regresso ao ninho de que partimos antes de nós.

Cresce a lembrança daqueles que depois nasceram longe, os que não fugiram, os que arrostaram a guerra e lutaram pela terra, os que foram fustigados, maltratados, castigados pela cor da pele, os que lutaram por um ideal de solidariedade, os que quiseram dar as mãos, os que foram persistentes até ao limite – para alguns a morte. Anos, décadas volvidas, a força da chama apagou-se devagar, ficou o calor que não morre senão depois das cinzas. Também esses, poucos, voltaram à terra dos seus pais, também eles pousaram no ninho antigo, prostrados diante da fogueira secular.

A crise apregoada bateu-me enfim da maneira mais dura.

Continua a haver os troncos grossos, as raízes altas e secas, continua a haver o tractor e o motorista para os transportar. Continua a haver o espaço. Ainda há braços suficientemente fortes para acender e alimentar a fogueira na noite fria. Mas falta a vontade dos Homens, quem sabe o calor dos afectos.

Na voz de Caeiro, hoje, só Pessoa me diz.

Acordei para a mesma vida para que tinha adormecido.  
Até os meus exércitos sonhados sofreram derrota.  
Até os meus sonhos se sentiram falsos ao serem sonhados.  
Até a vida só desejada me farta - até essa vida...  

3 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Os Velhos do Restelo impedem-me
de emitir este comentário, já os
perdi todos.
Penso que Portugal tem de abraçar
a sua enorme fronteira marítima,
vivendo um novo mundo através dela.

Rocha de Sousa disse...

O que disse atrás, no segundo comen-
tário, entraria bem aqui. Porque só
a imagem deste post desdiz Caeiro,
faz-nos reinventar um futuro Além

Manuel Veiga disse...

não bastam lume e calor, sem dúvida.

mas a chama e o brilhozinho nos olhos...

que te sejam pródigos - um e outro!

beijo