quarta-feira, janeiro 12, 2011

Um passo em frente


Passamos pelas coisas sem as ver,
gastos, como animais envelhecidos:
se alguém chama por nós não respondemos,
se alguém nos pede amor não estremecemos,
como frutos de sombra sem sabor,
vamos caindo ao chão, apodrecidos.
Eugénio de Andrade


O sol chegou pela manhã a dar um ar de sua graça, mas não chegou para acender a Primavera.

Não a dos calendários, mas da natureza a encher os campos rasos de branco e amarelo, a abrir as magnólias antes do verde cobrir as árvores. Ainda é cedo. Por agora só o sorriso das camélias, esplêndido e breve como Marguerite Gautier, logo escurecidas pela humidade.

Os pombos passam, pesados, em grupos, o pisco cumprimenta de longe, o melro esconde-se nas madrugadas.

Mas a Terra gira sem detença em dois tons de volta, rotação e translacção, eu ainda sem acertar a órbita das palavras escritas como ditas, rasantes, sem consoantes escondidas a lembrar os ancestrais, as origens clássicas, mortas há tantos séculos!

O ano novo custou a abrir. Não sei se da chuva, se dos dias curtos, bisonhos, se do frio, se da falta das flores e dos bichos e da gente que eu amo e sinto longe. Se dos livros que não leio, se das palavras que não assomam aos dedos. Se das nozes que vão sobrando e dos dentes que vão faltando.  

Há dias assim, mas logo passam, como passam os sonhos, como passa a vida.
Às vezes devagarzinho.
 

3 comentários:

Justine disse...

Que nostalgia, Jawaa. Mas uma nostalgia doce, muito bela.
Há dias assim, mas logo passam. Tu o dizes, então que assim seja:))

Manuel Veiga disse...

rendilhado de palavras belas. onde a nostalgia se imiscui...

... e as nozes se fazem vozes!

beijos

M. disse...

Às vezes a vida é tão melancólica, não é? Mas tão bonita assim dita por ti!