segunda-feira, agosto 16, 2010

Pintar o céu


A poesia, não é tão rara, como parece.
Na mais ínfima das coisas,
A poesia acontece.
Fernando Vieira




Os tempos modernos trazem sempre o esquecimento da sabedoria dos antigos, a pouco e pouco apagando a arte e a técnica. Ficam depois as memórias, aqui e além recuperadas, mas já não usáveis porque outras formas mais céleres e eficientes as superaram há muito. Nada contra. Relembro a forma elaborada em peças de fio entrançado tipo macramé usadas pelos Incas para o registo de datas e factos, na irresistível necessidade dos homens escreverem a vida.

Eu vou falar das palavras escritas, e já nem sequer aquelas torneadas em caligrafias belíssimas, em ornatos coloridos nas iluminuras dos livros antigos; apenas a palavra dedilhada aqui, em teclas escurecidas, desbotadas, onde só o hábito nos leva a conduzir os dedos ao lugar exacto pretendido. A palavra sozinha, uma ou outra vez, só por si tem um poder imenso, cresce, matiza-se, é desprezível, macabra, lúgubre, mas também alegre e bonita, quente, musical, azougada até. É uma questão de disposição de espírito no momento que faz com que lhe demos configurações autenticamente ficcionadas. E com elas fazem-se os poemas!

Tudo isto para chegar ao nome por que respondia o meu estimado companheiro-bicho de quase 12 anos, tempo normal de vida para a espécie. Não fui eu quem lhe atribuiu a graça, mas vinha a condizer com a pelagem brilhante e macia, de tons suavíssimos que iam do quase negro ao quase branco, passando por tonalidades de castanho e creme e cinza numa mistura que se foi alterando com os anos, mas sem nunca perder a beleza ímpar. Era o Matisse.

Como no blogue do Chatgris – gato que só hoje percebeu a ausência (parece) do amigo e mia e mia e se esfrega por todos os lugares percorrendo os lugares comuns – foi divulgada a sua partida da casa, outros companheiros do éter deixam mensagens de solidariedade na dor da perda do Amigo. E então umas letras bonitas, lindas como ele, deixam assim as palavras arrumadas:

«O Matisse está a pintar o céu».

3 comentários:

Rocha de Sousa disse...

O «Matisse está a pintar no céu». É um nome bonito e uma situação
privilegiada. Não vejo o seu «doce»
a pintar, nem no céu. Correrá pelos
jardins que lá existem e vai, de flor em flor, cheirando macias presenças, que distingue da sua vi-
da junto da «mãe». Há-de chegar o momento em que procurará, angustia-
do, o seu cheiro, Iria,e talvez fique triste por haver mudado de
lugar.Mas essa é a «lei» Universal.

Justine disse...

Mais um beijo, Jawaa!

M. disse...

Como já te disse, é linda esta memória do Matisse.