Não vi televisão nesse dia de 2006, não vi onde foram as comemorações, não li jornais, passei como que três dias no limbo. Também principalmente não ouvi o discurso do nosso Presidente da República de quem vou ter de habituar-me a ouvir aquele português ciciado, nascido para falar inglês (talvez…), mas enfim, respeito muito a democracia e deposito as maiores esperanças no nosso Presidente eleito pela vontade expressa do povo. Nunca será o nosso presidente de lágrima ao canto do olho, o nosso pai da pátria de ar bonacheirão, mas as coisas bonitas são irrepetíveis.
Subiu na minha consideração por não ter aparecido de cravo ao peito, pelo menos mostra coerência e isso agrada-me. O que é que o cravo tem a ver com a lapela (estou a ser educada, mas espero que desta vez me compreendam)? E o importante não é o cravo: c’est la rose l’important ! Acho tão bonito que lhe chamem a Revolução dos Cravos, gosto tanto de cravos, acreditem, é até uma das minhas flores preferidas por razões várias; os vermelhos então são lindíssimos e nem por isso tenho cravos vermelhos na minha sala, tenho cosmos também vermelhos. Sabem o que são cosmos? Que cresciam espontâneos por entre as casas ainda por construir nos bairros novos da cidade mais linda do centro de Angola?
E respeito muitíssimo a Revolução dos Cravos, bendigo-a, e acho até que seria o único feriado a manter-se em Portugal se eu mandasse um dia só neste país. Para além de acabar com a parafernália de feriados religiosos que ninguém sabe por que existem – com as devidas excepções que fazem parte da nossa tradição ancestral – deixaria apenas o dia do Trabalhador e o dia de Portugal e das Comunidades. Varria tudo o resto de uma só penada. O que é isso de estarmos na União Europeia e festejarmos a nossa «independência» da vizinha Espanha? Mas, adiante, que já estou a fugir ao tema.
Eu já era mãe quando chegou o 25 de Abril. E o pior de tudo, o pior, é que eu não sabia até aí, não tinha sequer dado conta que, para vir de Angola a Portugal (portanto dentro do mesmo país) se viesse sozinha ou com os meus filhos, teria de pedir autorização ao marido para o fazer…! Aqui tenho de recomendar a leitura do «Ensaio sobre a Cegueira» que foi o livro que me reconciliou com o saramaguês…
Dizem-me «daqui e dali» que gostavam que se vivesse uma semana nas escolas em ditadura. Sim, de acordo, mas ditadura a sério e nem todos sabem muito bem o que é isso. Queria contestar uns pequenos nadas…
Eu nunca usei bata nos dois colégios que frequentei: um ano apenas o Alexandre Herculano e dez o D. João de Castro, ambos colégios mistos, graças a meu pai que era uma pessoa esclarecida; e não foi isso que me fez sentir mais ou menos diferente ou sequer igual aos meus colegas. Daí eu achar bem que se usasse batas nas escolas, i.e, uniformes, a exemplo do que se vê em novelas para jovens: uma t-shirt com o emblema da escola e depois liberdade nas «jeans» de saia ou calça. Algo que evitasse melindres das meninas em idade de fraldas a sentirem-se mais do que a(o)s outra(o)s porque usam só roupas «de marca». Eu usei bata apenas como professora e dei-me sempre bem com ela!
Mas devo dizer que me sentia revoltadamente diferente sentando-me obrigatoriamente nas carteiras junto ao professor só porque era menina; sentia-me profundamente desesperada quando fugia nos intervalos para a zona destinada aos rapazes (tinha um irmão mais velho 3 anos) para «jogar à bilha» (berlindes de aço retirados das rodas de bicicleta, quanto mais pesados, melhor) e o «senhor prefeito» me ia buscar pela orelha pre…ci….sa….men….te quando tinha o jogo na mão, praticamente ganho; quando jogava «às queimadas» (agora o jogo do mata, que nome horrendo!) no recinto marcado em toda a volta por mangueiras enormes onde os rapazes podiam subir às mangas e eu não; quando não podia ir de calças para escola e tinha de descer pela escada das raparigas; ah, no dia dos exames na escola oficial, quer na 4ª, exame de admissão ou 2º e 5º do liceu, os rapazes tinham de apresentar-se de gravata. Eles frequentavam ao sábado de tarde obrigatoriamente Mocidade Portuguesa, onde aprendiam a marchar e a fazer a continência nazi, mas tinham aí educação física e as meninas eram obrigadas a estar fechadas numa sala a aprender arte e bordados. Isto sim, era descriminação, isso era ditadura!
Também não concordo quando dizem «daqui e dali» que nós, os professores, não iríamos notar muito a diferença, porque iríamos sim! Os alunos não devem levantar-se quando o seu professor entra na aula, mas devem fazê-lo quando entra por exemplo um elemento do Conselho Executivo ou qualquer professor, ou qualquer adulto, porque se entra e interrompe a aula, tem fortes motivos para o fazer (não é suposto as aulas serem sistematicamente interrompidas pelos funcionários pelos motivos menos óbvios). Ensina-lhes o respeito pelas hierarquias, tão importante que existe até entre os animais que vivem em sociedade! E a sala de aula não pode ser um lugar onde «vale tudo»!
Nos termos – ultrapassados já – em que funcionam as aulas com verdadeiro rigor tirano de entradas controladas, é assim que deve ser. Diferente seria se houvesse um encadeamento e interactividade em trabalhos de grupo em que os alunos continuam o seu trabalho sem reparar sequer em quem entra ou sai porque estão verdadeiramente ocupados e interessados na sua tarefa do momento. Mas esse é outro cantar, liberdade com responsabilidade ainda não.
É o cantar de Abril que vai chegar; a democracia constrói-se, vai amanhecendo devagar, o sol não aparece de repente no alto do céu. Nós (vós de preferência…) deveremos estar atentos para que haja nuvens mas não grandes tempestades, estabelecendo regras firmes mas unânimes nos seus objectivos. Olhem as abelhas, as formigas, o salalé…
2 comentários:
Este foi o texto que mais - aqui neste seu blog - gostei de ler.
Saudades.
Obrigada, sempre, pela maçada de terem de escrever estas letras horrorosas, pelo «gostei», pelas saudades e beijinhos que retribuo.
Enviar um comentário