sábado, abril 01, 2006

(I+E)Migração

Janeiro 1872.
«Agitou-se, agita-se ainda, a questão da emigração. (…)
A emigração, entre nós, é decerto um mal.
Em Portugal quem emigra são os mais enérgicos e os mais rijamente decididos; e um país de fracos e de indolentes padece um prejuízo incalculável, perdendo as raras vontades firmes e os poucos braços viris.
Em Portugal a emigração não é, como em toda a parte, a trasbordação de uma população que sobra; mas a fuga de uma população que sofre. Não é o espírito de actividade e de expansão que leva para longe os nossos colonos, como leva os ingleses à Austrália ou à Índia; mas a miséria que instiga a procurar em outras terras o pão que falta na nossa.
Em Portugal a emigração não significa ausência – significa abandono. O inglês por exemplo vai à Austrália ou à América fazer um começo de fortuna – para voltar a Inglaterra, casar, trabalhar, servir o seu país, a sua comuna, trazendo-lhe o auxílio de uma vontade robustecida, da experiência adquirida, do dinheiro ganho; para Portugal, o emigrante que volta provido de boa fortuna vem ser um burguês improdutivo, uma inutilidade a engordar.»

Eça de Queirós


Portugal é hoje um país de imigração, mas foi e continuará a ser um país de emigrantes. A alma portuguesa não cabe no pequeno rectângulo da Península que dá a cara da Europa ao Atlântico. Essa foi a nossa maior riqueza (a despeito da opinião abalizada de Eça há um século atrás): a expansão da língua que tanto prezo e sobrevive nos lugares mais inusitados, porque valeu a pena!

O repatriamento dos portugueses do Canadá é tão real e dorido como o daqueles que Portugal e a Europa diariamente colocam fora das suas fronteiras. A conjuntura actual, quer económica quer, principalmente, social e política, requer medidas firmes de rigor que devem ser respeitadas. Os canadianos vivem obcecados com a Segurança, e o 11 de Setembro marcou indelevelmente o continente americano que se julgava a salvo das atrocidades que iam acontecendo pelo resto do mundo. Perceberam que também eles eram vulneráveis.

Quando as primeiras notícias nos chegaram com o impacte das imagens e reportagens da televisão, queimei e escureci por dentro. Mas as notícias directas logo derramaram neve clara e fria nos meus sobressaltos, e assim o meu post desatempado em relação ao calendário climático. Cá ficou um melro escurito a doidejar, mas as notícias foram tranquilizadoras.

O Canadá não descrimina ninguém e eu própria tive oportunidade de o sentir na recente estadia por lá. Razões outras haveria para que fossem deportados, não ditas: decerto teriam sido alertados para a necessidade de deixarem o país com anos de antecedência, o que veio a confirmar o nosso actual MNE.

«Em Roma sê romano» diz um velho ditado e aplica-se a meu ver em todo e qualquer processo de migração de pessoas. Quem emigra leva consigo um património cultural que tem o direito e até a obrigação de preservar, pois são as suas raízes. Este o primeiro aspecto. Mas não tem o direito de impor ao país de imigração a sua cultura, não deve tornar-se colonizador, com todo o sentido pejorativo que adquiriu essa palavra. Ele vai para melhorar a vida, tem de adaptar-se o mais rapidamente possível ao lugar que o acolhe.

Ora, ao que sei, há portugueses que vivem no Canadá há vinte e mais anos e continuam sem falar uma palavra de inglês (ou francês) e, mais grave ainda, convivem entre si no velho espírito português (a que lá chamam portuga) de passar ao lado da lei (não fazer descontos convém a empregados e patrões…) usando de todos os subterfúgios em que são exímios para escapar à vigilância cada vez mais apertada.

Se as leis são rígidas, há que submeter-se a elas. O Canadá é um país com boas oportunidades de emprego, mas é duro, eles exigem integração plena de cidadania para autorizarem a permanência definitiva. É um país novo.

Oxalá quem por lá labuta saiba aproveitar essas oportunidades!

Sem comentários: