sexta-feira, abril 14, 2006

Ressurreição

Tu, bebedor nocturno,
enverga as vestes de ouro,
tuas vestes de ouro e chuva!

Escorreu, ó deus, a água de pedras preciosas.
O cipreste alto transmudou-se em quetzal;
em serpente de quetzal se transmudou a serpente de fogo;
libertou-me a serpente do fogo.

Talvez eu me vá embora, talvez vá, talvez vá embora para me queimar,
eu, a doce planta de milho.
O meu coração é uma preciosa pedra verde,
mas o ouro, ainda o verei dentro dela, ainda verei o ouro.

Quando o meu coração amadurecer,
em júbilo, quando o coração ficar maduro.
Meu deus, faz fremir os pés de milho dentro da terra,
faz crescer os pés de milho.

Poemas ameríndios (trad. Herberto Hélder)


Quetzal ou quanza, já foi angolar ou escudo, hoje corre em dólares e euros.

Em Angola não foram os ciprestes que se transformaram, foi o ouro maior que cintila, que resplandece, o branco e o negro. O branco, o de mil cores, por quem rasgam e dilaceram e chagam e agridem a terra-mãe. O negro que jorra e se esgota, não para alimentar os seus filhos, para os deixar usufruir da prodigalidade com que o céu os agraciou, mas para alimentar as hienas e os abutres, deixando as crias de Angola morrer à fome.

Há 45 anos atrás, eu era uma menina a quem o 15 de Março mudou a vida; já mudara, aliás, a 4 de Fevereiro do mesmo ano. Neste dia foi o princípio da morte de meu pai e o despontar da minha determinação em querer enfrentar o medo.

E consegui. Eu vi o ouro dentro da pedra verde, mas o meu coração só agora começa a maturar, a sazonar. Só agora revive a cor do milho, ouve o calor do milho, cheira o travo do milho verde e doce na massaroca rasgada de folhas ainda verdes e macias.

É preciso semear o milho de novo, é preciso que a chuva embale o milho dentro da terra, é preciso que deus o faça crescer.

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