sexta-feira, abril 28, 2006

Serra Linda

«A grandeza igualava a graça. Para os vales, poderosamente cavados, desciam bandos de arvoredos, tão copados e redondos, dum verde tão moço, que eram como um musgo macio onde apetecia cair e rolar. Dos pendores, sobranceiros ao carreiro fragoso, largas ramarias estendiam o seu toldo amável, a que o esvoaçar leve dos pássaros sacudia a fragrância. Através dos muros seculares, que sustêm as terras liados pelas heras, rompiam grossas raízes coleantes a que mais era se enroscava. Em todo o torrão, de cada fenda, brotavam flores silvestres. Brancas rochas, pelas encostas, alastravam a sólida nudez do seu ventre polido pelo vento e pelo sol; outras, vestidas de líquen e de silvados floridos, avançavam como proas de galeras enfeitadas; e, de entre as que se apinhavam nos cimos, algum casebre que para lá galgara, todo amachucado e torto, espreitava pelos postigos negros, sobre as desgrenhadas farripas de verdura, que o vento lhe semeara nas telhas. Por toda a parte a água sussurrante, a água fecundante… Espertos regatinhos fugiam, rindo com os seixos»
Eça de Queirós




Do alto da serra dos Candeeiros já não se lobrigam candeias a alumiar o caminho das diligências e viandantes e o tempo dos pinheiros copados e esguios perdeu-se há mais de trinta anos. O fogo, o grande destruidor.

Em Angola sempre convivi com queimadas sem que lhe associasse esta função devastadora. Depois, lá por casa as queimadas eram deliberadas, e o sentido do vento era cuidadosamente estudado antes, contando-se ainda com os imprevistos na direcção do vento. O fogo sempre implicou destruição, claro, porém benéfica, pois combatia os répteis, os bichos venenosos, era sinónimo de limpeza e renovação. Eu própria adorava ir, nos entardeceres de cacimbo, queimar em volta da casa, junto aos currais do gado, ao redor das capoeiras e nos locais de pasto, bem espaçado no tempo para que os animais tivessem sempre um pouco de verde para comer. É que, uma semana depois da queimada, logo aquela África quente e pujante despontava em capim novo.

Aqui o fogo confrange-me. É mais duro, mais destrutivo, a sua maldade perdura porque não tem adversário. Trinta e tal anos depois do fogo na serra, a destruição permanece. Aflora a pedra que o musgo e as madressilvas vestem com pudor, tufos de verdura preenchem as terras sustidas que a erosão permite, brota o azevinho a medo, cresce e floresce o alecrim.














Mas a vista do alto da serra é um esplendor de beleza a desfrutar nestes dias claros de Primavera. A vista alcança o casario longe, toda a região nascida à sombra do Mosteiro cisterciense quase milenar que teve uma importância relevante na ocupação e consolidação do país que é hoje Portugal, densamente povoada de gentes laboriosas e fartos pomares.

A paisagem muda com o passar dos anos mas a graça persiste numa paisagem por vezes lunar, rasgada pelas pedreiras que dão vida a quem lá mora e dia a dia ocupada pelos gigantescos moinhos que captam a energia eólica que o sábio povo já tinha descoberto quando deu nome às suas terras: Vale de Ventos, Casal Ventoso…

2 comentários:

Anónimo disse...

Que posts bonitos minha querida amiga secreta e que belas flores no teu jardim!!!
Senta-te na cadeirinha e aproveita bem o feriado.Mil beijinhos.

jawaa disse...

Vocês são um amor em contactar comigo com tanto carinho, obrigada sempre. Mas eu escrevo só para dizer coisas... ocupar o tempo e o pensamento não deixando que o mundo acabe cá dentro.
Estou a tentar colocar aqui uma coisa num post hoje sem falta e isto não vai como eu quero...
Beijinhos