«Mas nem foi preciso dobrar o preço; Pedro Curimba, coçando a carapinha já brancacenta, argumentou:
– É um favor que ocê me fais, seu Zé Orocó.
– Mas por quê? A égua é doente?
– Duente coisa nenhuma, mais sadia que o Sor.
– E então?
– Num gosta de fazê nada que a gente ensina. Trabaio que é bão, nada.
– E o que ela faz então?
– É vagabunda, passeadera. Falô em passeá cum ela, pronto, a vida tá feita.
– Mas é justamente uma égua assim que eu procuro. Quanto mais passeadeira melhor.
Olharam para a égua baia no curral. A bichinha balançava as orelhas, espiando os homens com seus olhos inocentes.
(…) Um começo de alegria brotava no seu peito. Agora, quando se lembrasse das coisas, só pensaria em pedaços bonitos.
Foi de tardinha que se deu o grande milagre.
Amarrara a eguinha passeadeira e fora fazer fogo. Iria cozinhar mais um pedaço de carne no espeto para comer com farinha. A eguinha mastigava o capim verde e tenro.
A tarde descia naquela mania de nunca ter pressa, na sábia compreensão da natureza. Zé Orocó sentou-se no chão, depois se deitou no capim. Apanhou um brotinho e ficou mastigando. “Sofrê” fazia ninho num pé de cagaia. Jaó dava pios de tristeza por todo o canto.
– Que bom, não?
Deu um pulo porque ouvia voz e não dissera nada.
– Que espanto é esse?
Não podia crer; a eguinha estava falando.
– Você também?
– Eu, não, você…
Aí Zé Orocó riu. Mas riu com vontade, com aquela vontade reprimida durante tantos anos.
Parou, desconfiado ainda.
– Então você também fala? Que bom!
Aproximou-se mais do animal. O coração rebentava de alegria. Tudo voltava de novo. Poderia acreditar em Calamantã, em Urupianga. Estava livre. Livre para ver beleza, desde zumbido de irapuã até ao nascimento de uma folhazinha. O céu voltara a ter todas as estrelas e o vento aquela carícia de mão. Até os cabelos brancos voltariam a ter beleza.
Graças a Deus que sou louco de novo!
Então não se conteve. Apertou a cabeça da eguinha contra o peito.
– Você é um amor, sabe?
– Eu é que digo isso de você, Zé Orocó.
– Sabe até do meu nome, hem?
– Os passarinhos me contaram. Eu estava doida pra você me comprar…»!
José Mauro de Vasconcelos (in «Rosinha Minha Canoa»)
– É um favor que ocê me fais, seu Zé Orocó.
– Mas por quê? A égua é doente?
– Duente coisa nenhuma, mais sadia que o Sor.
– E então?
– Num gosta de fazê nada que a gente ensina. Trabaio que é bão, nada.
– E o que ela faz então?
– É vagabunda, passeadera. Falô em passeá cum ela, pronto, a vida tá feita.
– Mas é justamente uma égua assim que eu procuro. Quanto mais passeadeira melhor.
Olharam para a égua baia no curral. A bichinha balançava as orelhas, espiando os homens com seus olhos inocentes.
(…) Um começo de alegria brotava no seu peito. Agora, quando se lembrasse das coisas, só pensaria em pedaços bonitos.
Foi de tardinha que se deu o grande milagre.
Amarrara a eguinha passeadeira e fora fazer fogo. Iria cozinhar mais um pedaço de carne no espeto para comer com farinha. A eguinha mastigava o capim verde e tenro.
A tarde descia naquela mania de nunca ter pressa, na sábia compreensão da natureza. Zé Orocó sentou-se no chão, depois se deitou no capim. Apanhou um brotinho e ficou mastigando. “Sofrê” fazia ninho num pé de cagaia. Jaó dava pios de tristeza por todo o canto.
– Que bom, não?
Deu um pulo porque ouvia voz e não dissera nada.
– Que espanto é esse?
Não podia crer; a eguinha estava falando.
– Você também?
– Eu, não, você…
Aí Zé Orocó riu. Mas riu com vontade, com aquela vontade reprimida durante tantos anos.
Parou, desconfiado ainda.
– Então você também fala? Que bom!
Aproximou-se mais do animal. O coração rebentava de alegria. Tudo voltava de novo. Poderia acreditar em Calamantã, em Urupianga. Estava livre. Livre para ver beleza, desde zumbido de irapuã até ao nascimento de uma folhazinha. O céu voltara a ter todas as estrelas e o vento aquela carícia de mão. Até os cabelos brancos voltariam a ter beleza.
Graças a Deus que sou louco de novo!
Então não se conteve. Apertou a cabeça da eguinha contra o peito.
– Você é um amor, sabe?
– Eu é que digo isso de você, Zé Orocó.
– Sabe até do meu nome, hem?
– Os passarinhos me contaram. Eu estava doida pra você me comprar…»!
José Mauro de Vasconcelos (in «Rosinha Minha Canoa»)
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