sábado, setembro 07, 2013

SEGREDOS



Não se admirem de eu estar vivo,
esclareço: estou sobrevivo.
Viver, propriamente, não vivi
senão em projecto. Adiamento.
Calendário do ano próximo.
Jamais percebi estar vivendo
quando em volta viviam quantos! Quanto.
Alguma vez os invejei. Outras, sentia 
pena de tanta vida que se exauria no viver
enquanto o não viver, o sobreviver
duravam, perdurando.
E me punha a um canto à espera,
contraditória e simplesmente, 
de chegar a hora de também 
viver.

Não chegou. Digo que não. Tudo foram ensaios,
testes, ilustrações. A verdadeira vida
Sorria longe, indecifrável.

Carlos Drumond de Andrade


Já não se pode ter segredos nos tempos que correm.

Não há lugar para segredos depois do Wikileaks, do Twitter, do Facebook. 

Não há lugar para segredos e é pena. É que a vida sem segredos não tem o mesmo sabor, não se vive com a mesma intensidade, perde simplesmente o interesse. Ou apenas tem outros interesses, interesses diferentes, mais interesses, interesses que ocupam, em vão, mais tempo do nosso pensamento. Estou a lembrar-me concretamente do tempo de uma gravidez. Vai um século e escondia-se a futura mãe dos olhares curiosos, há meio século a deformação do corpo era olhada como natural, o tempo interior de espera contava-se por luas, tinha a lentidão do mês no controlo da saúde, os que o tinham. Agora conta-se por semanas, controla-se quase diariamente no fim, sabe-se o dia e a hora em que nasce, conhece-se o sexo, o peso, quem sabe a cor dos olhos.

É demasiada informação antes da vida. Não tarda, saberemos o dia da nossa morte - não terá a menor graça, nem para quem morre, nem para quem fica. 

É verdade que já nasci no outro século, ainda tenho alguma desculpa de me agarrar aos velhos costumes, mas reconheço que não há como dar a volta ao progresso que se impõe e paulatinamente destrói os meus sonhos mais bonitos. Já não há cartas para ler. Ir ao correio e abrir com uma chave pequenina (sempre a mais pequenina do molho de chaves de meu pai) a portinhola do apartado 41 e encontrar o mundo inteiro escondido naqueles tubos de papel carregados de letras e imagens, abrir um por um, é um prazer que se esgotou, que não posso transmitir à posteridade.  Já se me tornou familiar a expressão utilizada de "ir ao correio" para o acto de clicar ou simplesmente pressionar, com o dedo, um determinado endereço num qualquer écran de computador. Eu própria tenho dificuldade em escrever uma longa carta, à mão, para quela amiga do peito que recusa as novas tecnologias.

É incómodo tudo isto cá dentro. É assim como uma criança saber que o Pai Natal não existe. 

3 comentários:

bettips disse...

Mesmo com tanta tecnologia
... há quem resista (como pode). E não esqueça "a palavra", a música, a presença! E fica, sem saber bem como, presa a um cruzamento onde olhos se olham.
Bjinho

Manuel Veiga disse...

a Bettips tem razão - há uma "vida outra" que importa reinventar...

beijo

São disse...

Faço minhas as palavras de quem comentou antes.

Acrescento que gostei de conhecer o blogue, rrs


Por favor, são mesmo necessárias estas abstrusas letras? É que já repeti não sei quantas vezes e não sou um robot, JURO!!
Bom fim de semana