Não se admirem de
eu estar vivo,
esclareço: estou
sobrevivo.
Viver,
propriamente, não vivi
senão em projecto.
Adiamento.
Calendário do ano
próximo.
Jamais percebi
estar vivendo
quando em volta
viviam quantos! Quanto.
Alguma vez os
invejei. Outras, sentia
pena de tanta vida
que se exauria no viver
enquanto o não
viver, o sobreviver
duravam,
perdurando.
E me punha a um
canto à espera,
contraditória e
simplesmente,
de chegar a hora de
também
viver.
Não chegou. Digo
que não. Tudo foram ensaios,
testes, ilustrações.
A verdadeira vida
Sorria longe,
indecifrável.
Carlos
Drumond de Andrade
Já não se pode ter
segredos nos tempos que correm.
Não há lugar para
segredos depois do Wikileaks, do Twitter, do Facebook.
Não há lugar para
segredos e é pena. É que a vida sem segredos não tem o mesmo sabor, não se vive
com a mesma intensidade, perde simplesmente o interesse. Ou apenas tem outros
interesses, interesses diferentes, mais interesses, interesses que ocupam, em
vão, mais tempo do nosso pensamento. Estou a lembrar-me concretamente do tempo
de uma gravidez. Vai um século e escondia-se a futura mãe dos olhares curiosos,
há meio século a deformação do corpo era olhada como natural, o tempo interior
de espera contava-se por luas, tinha a lentidão do mês no controlo da saúde, os
que o tinham. Agora conta-se por semanas, controla-se quase diariamente no fim,
sabe-se o dia e a hora em que nasce, conhece-se o sexo, o peso, quem sabe a cor
dos olhos.
É demasiada
informação antes da vida. Não tarda, saberemos o dia da nossa morte - não terá
a menor graça, nem para quem morre, nem para quem fica.
É verdade que já
nasci no outro século, ainda tenho alguma desculpa de me agarrar aos velhos
costumes, mas reconheço que não há como dar a volta ao progresso que se impõe e
paulatinamente destrói os meus sonhos mais bonitos. Já não há cartas para ler.
Ir ao correio e abrir com uma chave pequenina (sempre a mais pequenina do molho
de chaves de meu pai) a portinhola do apartado 41 e encontrar o mundo inteiro
escondido naqueles tubos de papel carregados de letras e imagens, abrir um por
um, é um prazer que se esgotou, que não posso transmitir à posteridade.
Já se me tornou familiar a expressão utilizada de "ir ao
correio" para o acto de clicar ou simplesmente pressionar, com o dedo, um
determinado endereço num qualquer écran de computador. Eu própria tenho
dificuldade em escrever uma longa carta, à mão, para quela amiga do peito que
recusa as novas tecnologias.
É incómodo tudo
isto cá dentro. É assim como uma criança saber que o Pai Natal não existe.
3 comentários:
Mesmo com tanta tecnologia
... há quem resista (como pode). E não esqueça "a palavra", a música, a presença! E fica, sem saber bem como, presa a um cruzamento onde olhos se olham.
Bjinho
a Bettips tem razão - há uma "vida outra" que importa reinventar...
beijo
Faço minhas as palavras de quem comentou antes.
Acrescento que gostei de conhecer o blogue, rrs
Por favor, são mesmo necessárias estas abstrusas letras? É que já repeti não sei quantas vezes e não sou um robot, JURO!!
Bom fim de semana
Enviar um comentário