terça-feira, setembro 17, 2013

BODAS DE OURO




Senhor meu. Casa limpa. Mesa asseada. Prato honesto. Servir quedo. Criados bons. Um que os mande. Paga certa. Escravos poucos. Coche a ponto. Cavalo gordo. Prata muita. Ouro o menos. Jóias que se não peçam. Dinheiro o que se possa. Alfaias todas. Armações muitas. Pinturas as melhores. Livros alguns. Armas que não faltem. Casas próprias. Quinta pequena. Missa em casa. Esmoça sempre. Poucos vizinhos. Filhos sem mimo. Ordem em tudo. Mulher honrada. Marido cristão; é boa vida e boa morte.

D. Francisco Manuel de Melo in «Carta de Guia de Casados»




Na celeridade dos dias que antecedem o desconforto do inverno, estes dias serenos de outono chegam, gratificantes, restauradores de alguma paz, após um longo verão escaldante e castigador da incúria dos homens, a vergasta descendo principalmente sobre os mais puros, os mais generosos, os mais jovens.

O mundo actual vive sobre os limites, sobre o improviso, contando excessiva e impropriamente com a tolerância dos outros. Os governos desgovernam o que lhes é dado para guardar ao longo de vidas, não se dedicam ao mister de que estão investidos, não estão preparados, não têm estratégias, assentam a sua actuação no improviso, na impulsividade da juventude, não têm sabedoria, não ouvem a experiência.

A vida não é fácil, nem sempre é bonita, mas pode tirar-se dela a beleza possível num dado momento, depois das vicissitudes, dos desastres, das ausências. Porque há sempre um olhar para trás, de mão dada, que compensa a fuga da insanidade dos anos.

No último fim-de-semana aconteceu um desses momentos raros em que tudo se esquece para aquecer os velhos afectos, aqueles que nunca esmorecem porque caldeados nas mesmas adversidades, nos mesmos contentamentos, nos mesmos caminhos palmilhados.

Cinquenta anos é muito tempo. Já éramos amigos há vinte anos atrás destes cinquenta. Éramos meninos e éramos felizes. Éramos meninos e donos do mundo. Hoje não somos donos de nada, salvo deste afecto que nos faz remoçar, sempre que a ocasião se nos oferece. Olho os netos que não são meus e crescem distante, abraço os filhos que vi nascer e cresceram com os meus, hoje espalhados por mundos tão longe, Praga, Roterdão, Clermond-Ferrand, Friburgo, Luanda, Toronto, Porto, Coimbra, Lisboa, a estudar, a trabalhar.

Foi num lugar bonito junto ao rio Liz o nosso encontro, perto da sua nascente e ainda liberto da poluição de Leiria. Que a vida permita aos meus amigos/irmãos continuarem juntos enquanto souberem e puderem dar-se as mãos com a mesma ternura.  




5 comentários:

São disse...

É bom apertar os laços afectivo.


Quanto à citação, nunca percebi lá muito bem como é o autor, solteirão, se aventurou a dar orientações a casais...


Bons sonhos

São mesmo necessárias estas abstrusas letras de verificação??

Rafael Almeida Teixeira disse...

Tem horas que tudo que precisamos é uma mão amiga.

Tua escrita me faz viajar, quando entendo viajo mais longe.

Abaços afetuosos. \0/ \0/

Manuel Veiga disse...

há momentos assim - refulgentes! - sublimados nos afectos.

beijo

Manuel Veiga disse...

há momentos assim - refulgentes! - sublimados nos afectos.

beijo

pianistaboxeador21 disse...

Reflexões com as quais concordo plenamente. Acertou!