Responde,
por favor: Deus é quem sabe?
Sabe
Deus o que faz?
Deus dá
o pão, não amassa a farinha?
Deus o
dá. Deus o leva?
Pertence-lhe
o futuro?
Deus te
dá saúde? Deus ajuda
a quem
cedo madruga?
Será
que Deus não dorme?
E é
Deus por todos, cada um por si?
Deus
consente, mas nem sempre?
Deus
perdoa. Deus castiga?
Deus me
livra ou salva?
Deus vê
o que o Diabo esconde?
De hora
a hora Deus melhora?
Mas é
se Deus quiser?
E Deus
quer?
Deus
está em nós? E nós,
responde,
estamos nele?
Carlos
Drummond de Andrade
Cumpre-se mais um Agosto de verão suficientemente quente para
deixar toda a gente de férias, mesmo aqueles que continuaram ao serviço de
todos os dias, no mesmo espaço de todos os dias, na mesma empresa de todos os
dias, para que em cada dia se acorde com a certeza de que o local de trabalho
não entra em deslize e acaba em falência.
Muitas coisas podem acabar em falência antes da moeda
europeia e, se ela chegar, acredito de boa fé que não nos apanhe desprevenidos;
afinal eu própria me confrontei com os vinténs, os tostões, os centavos, os
angolares, os escudos, os contos – um conto de réis, cem mil réis (mérreis, me
soava ao ouvido) quinze tostões ou mil e quinhentos, vinte e cinco tostões ou
dois e quinhentos. Só depois chegou a nobreza dos cêntimos e dos euros.
Nós habituamo-nos a tudo isto, facilmente voltaríamos ao
escudo. Talvez encontrassem um novo nome equivalente, ou talvez não. Um
liberto, proporia eu. Talvez finalmente nos libertasse da pobreza crónica, da
pobreza de espírito que nos faz subservientes a quem é apenas tanto como nós, que
nos faz aspirar a ser os outros, mas nunca ser mais do que os outros por nossa
própria iniciativa, dada a modéstia a que nos condenaram.
Isso, um liberto. A exemplo do escravo libertado, culto,
fora dos patrícios, digo pois, euros, escusávamos de vender tudo, bancos, companhias
de aviação, de electricidade, de televisão, aos dos Santos e quejandos, e
ficávamos com a nossa casa, o nosso jardim transformado em horta, os nossos
terraços e varandas com vasos de tomates e couves e batatas, uma vaquinha a
quem tem quintal e poço ou furo artesiano, em vez dos cruéis e caríssimos
cães poderíamos criar coelhos no apartamento, umas galinhas sempre davam ovos, uns
patos numa bacia no terraço… e por aí adiante. Começava por haver menos desocupados,
menos desempregados, menos necessidade de moeda sonante. O que era nosso, nosso
era, também o ouro das arrecadas antigas.
Talvez então houvesse disposição para esquecer a violência
(violência não é só física!) e sobrasse tempo para a educação pura e simples,
para o diálogo, para o estudo da nossa História, para o reconhecimento do nosso
país bonito, do nosso povo cheio de potencialidades. E quem sabe talvez, talvez pousados em nós finalmente, deixássemos de ser só um povo de tão brandos costumes e voltássemos a ser aquela gente afoita e criadora, de alma navegadora (navegar não é só de barco!) a dar novos mundos ao mundo.
Eu voto pelo liberto, mas não é tempo disso, bem vejo.
Afinal foi abolida a escravatura, como a prostituição, tinha-me esquecido do
pequeníssimo pormenor.
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