domingo, agosto 12, 2012

MOMENTO


Ai, Senhor das Furnas,
Que escuro vai dentro de nós.
Rezar o terço ao fim da tarde
Só para espantar a solidão.                 
Rogar a Deus que nos guarde,
Confiar-lhe o destino na mão

Que adianta saber as marés,
Os frutos e as sementeiras,
Tratar por tu os ofícios,
Entender o suão e os animais,
Falar o dialecto da terra,
Conhecer-lhe o corpo pelos sinais?

Carlos Tê


As badaladas soam aprisionadas naquela caixa soturna de madeira brilhante como uma urna e batem nos meus ouvidos nas noites sem sono, desconfortavelmente marcando a insónia.

Na minha casa de sempre, que não é mais e nem apenas uma, permanecem os móveis antigos e alguns objectos que vivem dentro de mim, quietos, guardados no silêncio dos sentidos que povoam a infância longínqua, prontos a despertar ao afago das lembranças.

E o relógio pregado na parede alta da sala de jantar era uma casa de pássaro igual às casas dos homens, de telhado em bico, de madeira esculpida em folhas de videira, onde morava um cuco cantador a abrir uma porta pequenina a horas certas e não se calava enquanto não repetia todos os números que o ponteiro menor apontava.

Que importa pois saber das horas, conhecer as máquinas que contam os minutos os segundos, os dias as horas, os anos os meses, se não posso segurar o tempo na mão, prendê-lo com os dedos, trazê-lo de volta, se não posso, mais do que em pensamento, usufruir da candura de ficar à espera, sentada no degrau da porta, daquele passarinho que eu tinha a certeza de abrir a porta na hora exacta.

A candura de me extasiar só persiste em momentos raros diante das ondas onde o tempo não conta, porque elas chegam determinadas, uma e outra e mais outra ressoando, batendo devagar, repetidamente. E aí, às vezes, muito raramente, elas desmancham-se umas nas outras sem rolar nem bater e há um segundo enorme, longo e sentido, em que o ruído do mar se apaga. Como se eu tivesse o poder de segurar o meu mundo nas mãos.

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