O branco dos livros aviva-se extraordinariamente, tem o deslumbramento de uma cal intensa, de um leite fresco iluminado por dentro. Mil vezes eu já vi esta iluminação de vertigem e já a terei anotado. Mas ela tem em si um milagre bastante para ser sempre pela primeira vez. E tudo o que se sente nunca se aprendeu de cor como uma ideia que se teve. A vida é tão extraordinária em tudo quanto a revela. Perdemos tanto tempo a saber tanta coisa e o mais simples é tão cheio de infinito. A nossa mente e o nosso olhar estão obstruídos por uma massa espessa de um saber secundário. Olhar apenas, olhar. O que é simples é que é complexo, de uma complexidade onde cabe o universo.
Vergílio Ferreira
Nem há domingo sem sol e ele chegou vibrante, depois da chuva, deixando aquela luz de fim de dia que borda a ouro as pétalas envelhecidas já cor de sépia e se infiltra nas parras afagando os cachos orvalhados que pendem maduros e oferecidos.
A beleza acontece em cada momento nosso, consoante outros momentos de outros seres que se conjugam para proporcionar um instante de luz. Quase sempre um acto solitário e tem um travo doloroso. Se tem o condão de ser partilhado, é um deslumbramento.
Mas a verdade da beleza tem o valor de qualquer verdade: tarde ou cedo se acende outro foco de luz a pôr em causa o perfil desenhado na caverna. Este pensar é corroborado de forma perfeita num daqueles documentos, de autor desconhecido, que circulam no espaço Web. Limita-se a referir, de forma muito sucinta, máximas dos cinco Judeus que mais mudaram o mundo: Moisés – a lei é tudo; Jesus – o amor é tudo; Marx – o capital é tudo; Freud – o sexo é tudo. Einstein não contesta qualquer dos temas, porém a todos arrasa de uma cegada: o «tudo» é relativo.
São as referências que constroem, que suportam a beleza e a verdade em cada um de nós. Se falham as referências quebra-se o equilíbrio e há que repor tudo de novo. Nem sempre é fácil.
O mar da ilha de Luanda, da restinga do Lobito, da praia morena de Benguela; os rios, a travessia em jangada do Kunene, do Zambeze, do Lucala; o Kuando, o Keve, as lagoas, a vala. A nascente. As águas quentes do Lubiri, a Ilha dos Amores no Kuito. O verde intenso da vegetação dos trópicos, os tons de areia e de barro, da praia, da anhara e do capim seco, o negro das queimadas, o cinza das tempestades. Mas o arco-íris.
Um dia o fulgor de um Van Gogh.
13 comentários:
Belíssimo!
Envolvente, diria encantatório, o teu texto.
E que posso dizer da soberba beleza felina, olhando orgulhosamente o mundo ?
Quando acabei o livro «Angola 61»,
eu estava na amurada, não como em Alcântara, mas como a chegada a Luanda em 61 passada ao contrário.
Em vez de emergir, a cidade afun- dou-se. Ficou o horizonte do mar. E
eu dissse mara mim mesmo: «Angola não existe»
Aquela não, sem dúvida, é como os quados às escuras, de noite, nos museus,que Sartre dizia deixarem de
existir, assim.
Mas a ressurreição em certas manhãs
trazem muita coisa de volta, e re-
leio as suas palavras, Jawaa, um voo picado de norte a sul, de leste a oeste, olho vivo sobre as principais nomeações, e tudo tor-na dizer-se, em volta.
A ferida do seu coração é como certas flores naturais.
Rocha de Sousa
Aqui há gato!
Beijinhos.
admirável as cores com que teces o teu texto
beijos
Parte desta madrugada foi de pouco sono, e, resolvi preencher a minha vigília com algumas leituras dos textos do 6º jogo do Eremitério (onde também tenho um com o nº "X"),li o texto da autora deste blog, gostei, e fui ver o blog, e, continuo a gostar. Vou passar por aqui mais vezes, sem dúvida, e, vou deixar um link no meu.
Um Abraço.
Jorge
Desculpe a demora em aparecer, mas assim que pude, vim aqui e li o texto. E só tenho a dizer que é muito bom. Precisamos ter olhos de ver, e muitas vezes não temos.
Abraço,
Daniel
As referências fazem parte da nossa essência. E, por vezes, não entendemos, não vemos quais são na verdade as nossas referências.
Belíssimo texto. **
As referências fazem parte da nossa essência. E, por vezes, não entendemos, não vemos quais são na verdade as nossas referências.
Belíssimo texto. **
E tudo isso (referências) são histórias a serem contadas.
Um abraço saudoso.
Muito haveria a dizer do branco e da brancura que nos recusam, no azul e no verde, no vento e na luz, em nós e nos outros.
Dark kiss.
P. S. Escreveste «Max» em vez de «Marx».
Uma semana muito fixe para si.
És um lindo, milord, já emendei.
Bem hajas
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