quinta-feira, junho 01, 2006

Crianças

«- A senhora imagina lá! Caiu de mais de três homens de altura. Parece de borracha, esta criança. Meteu-me um susto…

- E a mim?! Eu quis descer ao quintal e não pude. Fiquei pregada. Olhe como as mãos me tremem ainda…

E com doçura, num indirecto agradecimento ao céu:

- É bem certo: ao menino e ao borracho põe-lhes Deus a mão por baixo.

Mano João, que ficara, ante aquele rebuliço todo, a manobrar tranquilamente o seu exército de chumbo, ouviu o ditado, puxou um cavaleiro mais para a frente, colocou o oficial de bandeira mais ao centro, e perguntou:

- Ó mamã, Nosso Senhor põe a mão por baixo a todos os meninos?

- Põe, sim. É ele quem os protege.

- Mesmo aos mais pequeninos?

- A esses principalmente. Quanto mais inocentes, mais Deus vigia por eles.

Mano João tirou da caixa três porta-machados com altas barretinas e longas barbas, meteu-os em forma, a um por um, pausadamente. Após objectou:

- Então Nosso Senhor, coitadinho, anda sempre a lavar as mãos…»

Augusto Gil

3 comentários:

Anónimo disse...

Que fotografia linda. Dou por mim parada a olhar, ... é uma imagem belíssima!
O blog é um doce.
Vive-se o gosto, o gozo e o cheiro de uma vida de palavras.
Uma rodinha de ternura.

jawaa disse...

Bem haja pelas palavras bonitas que escreve, oxale.

Anónimo disse...

Há momentos em que os nossos olhos abertos vêem o que não está lá. Sabe?, assim como que vendo o passado no presente. A cores! Vejo-a, a si, a passar a porta, sapato preto de salto, prega ligeira no bico contido, a falar-me com as mãos, com os olhos, com uma ternura delicada, a sua, com que passei a conviver. Revejo-a agora nas palavras que escolhe, nos textos seus e dos outros, nas memórias que, não sendo as minhas, sem pejo cobiço. E, pelo meio, confirmo que a vida tem destes apeadeiros de crescimento e enlevo. Bem haja!