Livre
não sou, que nem a própria vida
mo consente
Mas a minha aguerrida
teimosia
é quebrar dia a dia
um grilhão da corrente.
mo consente
Mas a minha aguerrida
teimosia
é quebrar dia a dia
um grilhão da corrente.
Livre
não sou, mas quero a liberdade.
Trago-a dentro de mim como um destino.
Trago-a dentro de mim como um destino.
E vão lá desdizer o sonho do menino
que se afogou e flutua
entre nenúfares de serenidade
depois de ter a lua!
Miguel
Torga
É
compulsivo o movimento da escrita, seja por necessidade de comunicar, de
sentir-se apenas vivo ou serenamente gozar o prazer da escrita, principalmente
se puder sentar-se diante de um velho caderno aberto e rolar uma caneta entre
os dedos, gozar a sensação inigualável de traçar linhas desenhos contornos
minúsculos, como quem modela uma escultura, como quem abre uma flor sobre uma
tela, como quem ali derrama frutos em taças, delineia um rosto.
Não
tão imediato como uma imagem, mas muito mais intimista este desenhar das
memórias que se acendem cada vez mais com uma saudade sem tamanho, assim presentes,
amores guardados perdidos na fartura da fazenda, os frutos dourados, o mel dos
cortiços, quando o mundo ali cabia inteiro, as caçadas, os cães a alegria deles
saltando em volta das espingardas, as conversas com os homens da enxada no
quintal.
O
hábito de acordar ao raiar do dia terá ficado enraizado em mim naquelas manhãs
africanas clareando bem cedo, nas idas às perdizes dos cacimbos sem
chuva, e continuam a ser o lugar de excelência dos meus dias. Enquanto houve
horários de trabalho para cumprir, a utilidade na escolha do período da manhã
trouxe-me a vantagem de enconrar as mentes juvenis ainda não alvoroçadas com o
correr das horas, o cansaço das outras aulas, encontrar as salas limpas e
arrumadas, sem papéis largados, eu própria com o vigor e alegria na medida
certa para interagir nas tarefas por vezes duras que me eram exigidas.
Dobraram décadas sobre décadas e só os afectos preenchem as horas que se acumulam depois da manhã. Procurar agora inspiração no desconforto moral que me invade, deixa tudo a desejar. Assim cada vez vou rareando a minha presença neste espaço que não consigo deixar só porque não posso abandonar este filho que me sossegou por dentro quando o mundo ruiu.
E o mundo ruiu outra vez e eu estou de pé.
3 comentários:
raízes que prendem - a partilha de afectos...
beijo
Ouve-se cada menos o som dos outros, as palavras andam caladas
pelos artes da globalização, co-
mendo tudo em volta.
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