domingo, janeiro 26, 2014

VIDA




De sua mão tombam os cadernos. Movidas por um vento que nascia não do ar mas do próprio chão, as folhas se espalham pela estrada. Então, as letras, uma por uma, se vão convertendo em grãos de areia e, aos poucos, todos meus escritos se vão transformando em páginas de terra.



Mia Couto







Bebo com sofreguidão as palavras que conseguem esfumar dentro do pensamento todos os credos, todos os medos, todas as sensações desagradáveis que a civilização lança sobre os corpos cansados da vida que já não dominam.



Todos os esforços não serão vãos, se houver encanto que chegue para olhar de frente o que nos espera quando as experiências se acumulam e um passo mais pode não ter a firmeza da expectativa em que se apoiava. Por outro lado, a mesma experiência nos diz que tudo se resolve com o passar dos anos, que o tempo tem tanto tempo quanto tempo o tempo tem.



E o tempo tem muito tempo. Ele acrescenta-se, sobrepõe-se, quantas vezes a dificuldade está apenas no facto de não se saber aceitar o tempo certo da mudança, porque ela ocorre devagarinho, por dentro e por fora, é suave na sua inexorabilidade.



E é bonita. Os passos são mais lentos, é mais lento o acordar, o levantar, só o pensamento acode descontrolado na medição dos tempos, o hoje e o ontem brigam mas logo se aquietam, o hoje é mais fácil, sempre mais fácil, cada vez mais fácil apesar da nostalgia do passado, que não é mais do que isso.



Amar é igual, a entrega é igual, apenas o jeito difere, quando se sabe amar de verdade.

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

suave como um toque de seda...

o tempo apazigua, sim.

beijo