Há uma luta encarniçada contra a natureza,
que quer cumprir o seu dever demográfico, e a ciência que nos quer imortais e
não deixa. Tanta moléstia útil para dar espaço aos humanos. Tuberculoses,
diabetes, pneumonias, bexigas doidas e outros e outros benefícios para larguesa
do território. Tudo abaixo. De vez em quando a Natureza arranja uma doença nova
e é uma alegria nela para o equilíbrio da humanidade. Mas há logo um tipo que
lhe trama a programação. Então ela recolhe-se de novo a si e lá lhe salta outra
invenção para pôr ordem nas coisas.
Vergílio Ferreira in «Na
tua Face»
Não me assusta a morte dos velhos
porque esse é o caminho deles. Constrange-me sim, o sofrimento a que muitos
estão ou estarão sujeitos antes do desenlace final e isso é um assunto que me
diz respeito e me preocupa.
Porque o sofrimento físico não é
apanágio dos velhos como parece ser aceite, o sofrimento chega sob a forma de
uma qualquer doença numa qualquer idade e nunca é de justiça. Ninguém merece,
seja em que idade for, dar de caras com a morte pelo caminho de uma dor
prolongada. E as panaceias médicas para a mais recorrente das doenças actuais
são doses de sofrimento atroz para nem sempre conseguir ultrapassar a doença em
si. Tumor, cancro, câncer, neoplasia, qualquer coisa descrita sumariamente como
células enlouquecidas comendo células, destruindo, destruindo-se.
Como este país enlouquecido,
comendo, comendo-se.
Nem
sempre o declive – na folga do peso da pedra – é fácil e o caminho brando e sem
escolhos. Ao contrário, a poeira acumulada escorrega sobre as pedras soltas,
não deixa florir o campo, as folhas amarelecidas confundem-se na cor dos
répteis, o perigo é tão presente que deixa de sentir-se. A temperatura do ar aumenta
com as batidas do corpo e o suor desliza pelo rosto frisado pela secura do
tempo, dos tempos. Só a chuva lava e abranda o cansaço sem voz, apagado nos
anos contados sobre o rochedo pousado no fundo do vale, na beira do rio manso
que passa ondeia se esconde na curva ao longe.
Cantemos
sim, enquanto há voz e memória para repetir a letra.
1 comentário:
cantemos, pois! resgastando a Memória profanada...
beijo
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