Ler para quê? Leio pouco. Livros que me
distraiam? Estou bastante distraído comigo próprio. Nem bem mesmo os livros que me acrescentem o
saber, mas os que me acrescentem a mim. Nós somos imensos mas atrofiados. Importam-me
assim os livros que desenvolvam o que sou. Quantas coisas ignoramos que somos, apenas
porque o embrião disso se nos não desenvolveu até ser visível. Um livro que me acrescente. O que acumulei é
muito. O que fui é muito pouco.
Vergílio Ferreira in «Pensar»
A madrugada acorda primeiro estremunhada, a
luz a espreguiçar-se devagar no céu ainda baço, logo a seguir espalhando as
cores, abrindo o dia num festival colorido.
Quando era criança era muito medrosa, a noite
assustava-me sem explicação plausível, só porque era escuro e eu tinha de ficar
sozinha no meu quarto. Quantas vezes acordava a meio da noite e corria ao
quarto de meu irmão, enfiava-me devagarinho debaixo dos lençóis na ponta cama
larga e ele fingia que não dava conta. Mas pela manhã, logo à mesa,
invariavelmente, desvendava o segredo para os pais e eu ficava envergonhada,
uma tremenda vontade de chorar que controlava engolindo o leite quente em
pequenos goles, demoradamente.
É dos momentos mais belos que tenho
guardados, o dia a chegar e eu acordada já, à espera que mais uma noite
termine. As viagens para Luanda; as viagens a passeio às Águas Quentes, à Ilha
dos Amores, à Missão de Bongo, para aproveitar o dia; as caçadas matinais no
cacimbo frio, as idas à praia da Samba, do Morro da Cruz, à Ilha, antes do sol
aquecer, quando os pássaros pousam ainda na praia sobre um único pé e os
caranguejos cobrem a areia abrindo alas à nossa passagem, enfiados rapidamente
nos orifícios que ponteiam a praia inteira; quando os pescadores chegam nos
dongos compridos a balançar nas águas mansas na baía. Acordar cedo é ainda um
prazer acrescido, tudo tão mais fácil depois do repouso ou depois da insónia, os
amanhãs chegados invariavelmente com a luz.
Hoje assinala-se o Dia da Mulher, mais uma noite
social que se prolonga sem madrugada à vista.
1 comentário:
luz libertadora. as das manhãs porvir...
beijo
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