sexta-feira, março 08, 2013

MADRUGADAS



Ler para quê? Leio pouco. Livros que me distraiam? Estou bastante distraído comigo próprio. Nem bem mesmo os livros que me acrescentem o saber, mas os que me acrescentem a mim. Nós somos imensos mas atrofiados. Importam-me assim os livros que desenvolvam o que sou. Quantas coisas ignoramos que somos, apenas porque o embrião disso se nos não desenvolveu até ser visível. Um livro que me acrescente. O que acumulei é muito. O que fui é muito pouco.



Vergílio Ferreira in «Pensar»






A madrugada acorda primeiro estremunhada, a luz a espreguiçar-se devagar no céu ainda baço, logo a seguir espalhando as cores, abrindo o dia num festival colorido.

Quando era criança era muito medrosa, a noite assustava-me sem explicação plausível, só porque era escuro e eu tinha de ficar sozinha no meu quarto. Quantas vezes acordava a meio da noite e corria ao quarto de meu irmão, enfiava-me devagarinho debaixo dos lençóis na ponta cama larga e ele fingia que não dava conta. Mas pela manhã, logo à mesa, invariavelmente, desvendava o segredo para os pais e eu ficava envergonhada, uma tremenda vontade de chorar que controlava engolindo o leite quente em pequenos goles, demoradamente.

É dos momentos mais belos que tenho guardados, o dia a chegar e eu acordada já, à espera que mais uma noite termine. As viagens para Luanda; as viagens a passeio às Águas Quentes, à Ilha dos Amores, à Missão de Bongo, para aproveitar o dia; as caçadas matinais no cacimbo frio, as idas à praia da Samba, do Morro da Cruz, à Ilha, antes do sol aquecer, quando os pássaros pousam ainda na praia sobre um único pé e os caranguejos cobrem a areia abrindo alas à nossa passagem, enfiados rapidamente nos orifícios que ponteiam a praia inteira; quando os pescadores chegam nos dongos compridos a balançar nas águas mansas na baía. Acordar cedo é ainda um prazer acrescido, tudo tão mais fácil depois do repouso ou depois da insónia, os amanhãs chegados invariavelmente com a luz.

Hoje assinala-se o Dia da Mulher, mais uma noite social que se prolonga sem madrugada à vista.

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

luz libertadora. as das manhãs porvir...

beijo