Mas é suave já o frio calmo
Que alisa e agudece
Os dardos do sol alto.
Hoje, Neera, não nos escondamos,
Nada nos falta, porque nada somos.
Não esperamos nada
E temos frio ao sol.
Mas tal como é, gozemos o momento,
Solenes na alegria levemente,
E aguardando a morte
Como quem a conhece.
Ricardo Reis
O
apelo da juventude, aliado à fascinação do que ainda é perfeito na constituição
do corpo humano, é algo a que se não pode fugir. O mundo que nos rodeia é cada
vez mais envelhecido, apesar de todas as fórmulas encontradas para tentar
manter inalterável aquilo que a irreversibilidade da natureza nos concede.
Voltar para trás nunca é solução, salvo no que respeita às fundações de nós, as
raízes, os caboucos da nossa personalidade, até o aspecto físico que beneficia
uns mais do que outros.
Congratulo-me
com a postura dos que já ultrapassaram o meio século de vida, há poucas décadas
ainda olhado como a recta final, mas hoje, para a grande maioria, apenas atravessada
metade da vida útil. Vai sendo tempo de se refazer mentalidades, encontrar
fórmulas de educar os jovens para uma percepção diferente do que é um idoso,
ilibando-o do sentido de caducidade quase sempre fartas vezes ofensivo, e educar
também os mesmos idosos para comportamentos de postura de verticalidade, a quem os anos contados não dão o direito de fugir às regras que regem o comum dos mortais.
Camões,
o eterno poeta que atravessou os séculos, não contou histórias dos outros,
contou de si, das suas infelicidades «o dia em que nasci moura e pereça»,
cantou dos seus «as armas e os barões assinalados», disse em tempo, o que não
tem tempo de validade «mudam-se os tempos, mudam-se as vontades». E assim
verdadeiro, como ele vaticinou, assim mudam os tempos e as festas pagãs
conseguem impor-se atravessando os séculos, o Carnaval a encher as ruas mesmo
debaixo de chuva, a fazer esquecer por algumas horas de folia o desemprego e o
desvario de muitos em actos tresloucados, perturbados pela falta de
perspectivas para o futuro próximo e longínquo.
Também
mudam as vontades, a forçarem substituir as máscaras venezianas do Carnaval
europeu pela nudez exuberante da juventude dos climas tropicais que chega a incomodar
o próprio frio.
1 comentário:
corpos dados às balas ... da alegria de plástico.
sensivel e inteligente. sempre.
beijo
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