Às vezes sinto-te entre
o sol e o papel,
às vezes oiço-te quase
respirar
nas tranquilas coisas
repousadas,
mas sempre estou a
procurar-te.
Não te detenho nem fiel
te sou,
às vezes, simplesmente,
sem que o queira,
e de tanto te querer, já
o sou,
roda rodando no meu
pulso,
ao lento baile em que a
visão começa.
António Ramos Rosa
Parece que o mundo se detém quando estou de frente ao mar.
O areal alonga-se com o olhar até ao rochedo alto que recebe do outro lado
o rio, os passos seguem ao longo da praia e o mar vem apagar as marcas deixadas.
Há uma solidão aprazível que também apaga dentro de nós as marcas que não se escreveram
sobre a areia da alma, que a reverberação da luz sobre a água inquieta, o vento
suave não deixa ver, não deixa sentir.
Assim, sento-me na duna e repouso o olhar pelo longe, as ilhas nítidas no
horizonte claro, a vastidão da água num atropelo de sentimentos e sensações
inefáveis de uma saudade curada, de sonhos que não são concretizáveis, sonhos desenrolados
como as ondas junto à praia, uma e outra vez repetidas, nascendo umas
desfazendo-se outras, com a sabedoria dos séculos.
É aqui que me sinto em casa. Na minha casa de dentro, onde ninguém impõe
regras porque tudo acontece com o determinismo do sol que nasce e se põe em
cada dia novo, das marés que pulsam ao apelo do planeta que nos enfeita o céu, das
chuvas que se derramam em lágrimas, dos cacimbos que geram a saudade do
planalto, dos invernos de ondas brancas que pintam de cal as terras as árvores
e as casas.
E é aqui que ouço todos os segredos do mar e do vento, nem sempre
coincidentes com as previsões meteorológicas.
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