Na minha
terra
há uma
estrada tão larga
que vai de
uma berma à outra
Feita tão de
terra
que parece
que não foi construída.
Simplesmente
descoberta.
Estrada tão
comprida
que um homem
pode
caminhar sozinho nela.
É uma
estrada
por onde não
se vai nem se volta.
Uma estrada
feita apenas
para desaparecermos.
Mia Couto in «Tradutor de Chuvas»
Segue um
caminho estreitíssimo, da largura de um pé, entrando pela mata, mulheres negras
esguias, quindas largas de milho sobre a cabeça num equilíbrio inimitável, crianças
às costas, rumo à clareira onde as pedras redondas que afloram do chão esperam os
bagos gordos do milho humedecido que há-de tornar-se em farinha macia.
Sentadas,
enrolam os panos no centro das pernas afastadas e entoam uma cantiga repetida
como se em desgarrada, perguntando uma e respondendo outras em coro, numa
melopeia indecifrável, mas soando agradavelmente ao ouvido. Em fundo, as
batidas do pilão na pedra marcando o ritmo, outras sacudindo já quindas rasas,
atirando ao ar o milho partido, para separar as partes do grão que depois
resultam em farinha mais e menos fina.
Os bebés
dormem nas sombras próximas em camas de panos enrolados, sombras de árvores ou sombras
improvisadas com as quindas despejadas, e novas e velhas cumprem o ritual do
trabalho comum. Não raro uma avó encarquilhada entrega a mama ao pequeno que
chora, para o acalmar ou adormecer, enquanto a mãe termina a tarefa a ser cumprida.
O mesmo
trilho se alonga a caminho do rio, passagem das mulheres para a pesca colectiva
em certas épocas do ano, para os homens de zagaia na caça combinada – o gebo – para
os bichos em fuga da queimada que os percorrem assustados, as patas, os cascos
seguindo os caminhos marcados, que a astúcia do homem evita então pisar. O
mesmo caminho do rio onde o gado lambe o sal ao final do dia, onde as rolas se
juntam às dezenas para o único tiro de caçadeira – esse gavião que não desce
dos céus, apenas troa e fulmina. Ainda e sempre o caminho que bordeja a vala, que
sobe à nascente onde a água brota da areia branca e fina da gruta recatada,
ladeada de pequenos fetos.
Esses os
caminhos da minha terra, as rotas infindas de pessoas e bichos onde tudo
acontece, a vida e a morte, poeirentos no cacimbo, enlameados nas chuvas,
veredas de todos os sonhos, encantos e pesadelos. Caminhos de areias ainda de
África onde era preciso não ter estado, não ter pisado, não ter nascido.
1 comentário:
belo o "chão" que te habita...
beijo
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