sexta-feira, abril 01, 2011

A tarde chega devagar



Como se não tivesse substância e de membros apagados.
Desejaria enrolar-me numa folha e dormir na sombra.
E germinar no sono, germinar na árvore.
Tudo acabaria na noite, lentamente, sob uma chuva densa.
Tudo acabaria pelo mais alto desejo num sorriso de nada.
No encontro e no abandono, na última nudez,
respiraria ao ritmo do vento, na relação mais viva.
Seria de novo o gérmen que fui, o rosto indivisível.
E ébrias as palavras diriam o vinho e a argila
e o repouso do ser no ser, os seus obscuros terraços.
Entre rumores e rios, a morte perder-se-ia.
António Ramos Rosa
 

 Por vezes os laços desenrolam-se, desmancham-se, desfazem-se, e dois fios pendem sem alma nem vida escurecidos do tempo, do pó, do abandono.

Quando são rudes e bem laçados, duram muito, muito tempo. Se de matéria mais fina, sedosos, desmancham-se mais precocemente, deslizam sem que se lhes toque, formam um nó e descem em fitas brilhantes, misturam-se aos tecidos leves que os rodeiam, embrulham-se neles mas resplendem no brilho da seda, tocam-se, brilham lado a lado, um mais longo outro mais curto, um mais acima outro mais abaixo, mas um nó cego os mantém juntos lá no alto.

Como os afectos ecoam pelos anos, laços desfeitos, vidas perdidas, lembranças vagas, esporádicas e um dia um clarão acende e afinal nos entendemos na mesma linguagem que um dia aprendemos na escola.

Eu vou continuar a olhar o pôr do sol atrás dos ulmeiros, dos eucaliptos altos, dos pinheiros que bordejam as praias ainda, vou ver o sol esconder-se no mar do Oeste sabendo que ele brilha ainda alto mais além, onde o coração mora, do outro lado do oceano. Vou continuar a sonhar as pedras da Ilha, imbondeiros de múcuas pendentes, cafezeiros vestidos de noiva ou de vinho, anharas secas e morros crescendo em direcção ao céu.

Afinal tudo muda sem apelo nem agravo, tudo gira e eu não comando. Só sei que o sol é o mesmo, o céu igual, mais azul, menos azul, e a luz cá dentro, cada vez mais mansa, a querer chegar à noite.

3 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Uma vez, na escola primária, uma
professora deu-nos o seguinte tema
para redacção: O SOL.E eu escrevi que o sol era a força que nos unia a todos e que era o único protago-
nista de «UMA VIAGEM SEM FIM». Eu
tebtara perseguir o sol, ao entar-
decer e quento mais andava mais terras diferentes encontrava, embo-
ra o sol continuasse sempre igual. Depois de uma volta completa à Terra, parei no lugar de partida.
Voltava a pôr-se o sol e aaparecia
de manhã, aquecendo as minhas costas.
Muitos laços fenecem entretanto,a
vidra florestal vem daquela volta sem fim. O sol faz desabrochar as coisas e contribui para a sua morte
w para a sua ressurreição. Há pessoas que sentem a esperança assim.

Manuel Veiga disse...

sem dúvida - há laços e nós!

confesso que me seduzem uns e outros - de seda!

gostei muito.

beijos

M. disse...

Faço questão que saibas que tenho vindo a ler-te com apreço embora nada tenha dito ultimamente.