quinta-feira, julho 16, 2009

Cheiro de tílias

Companheiros, enterrem-me na Isla Negra,

defronte do mar que conheço, de cada área rugosa,

de pedras e de ondas que meus olhos perdidos

não voltarão a ver.

Pablo Neruda





O vento bate no rosto com força e não sei o que tenta dizer-me. Os cabelos embrulham-se porque ele está inquieto e não sopra na mesma direcção. Mas eu sigo em frente no bosque verde onde as arvores tocam as nuvens baixas; uma ou outra menos altiva, mais perto dos homens, dando conforto com os tons de beringela enfrentando as demais. Floridas, poucas, a cor clara diluindo o tom nas folhas, para não quebrar a paz e a solenidade do lugar. A relva fina cobrindo a terra, leves tabiques de madeira deixando espreitar as traseiras de uma casa aqui e alem, os pátios de uma escola deserta, os esquilos de longas caudas negras surgindo do nada e brincando às escondidas, rodando nos troncos grossos das tílias, sem medo, como os pássaros coloridos qual melros correndo pelo chão adiante dos passos.


Estou de partida e vou ter saudades destes espaços onde sei caminhar e sinto a segurança do desconhecido. Porque é preciso ver o mundo ao contrário, espreitar o ninho das aves e a toca dos chipmuncks para ter a certeza de que a altura da visão do homem é limitada e olhar de cima ou de baixo dá, na verdade, uma perspectiva diferente. Nada de novo. Mas é preciso lembrar como são escorregadios os caminhos conhecidos no tempo das chuvas, como a areia fresca e generosa queima e fere longe do mar, como a paz nem sempre se encontra na solidão desejada.


Regresso para as flores que só duram este verão.


5 comentários:

Justine disse...

Acho que percebo o que sentiste. E concordo que é preciso ver o mundo ao contrário...
Beijo

bettips disse...

O meu abraço contigo!
E "a segurança do desconhecido" é bela, excitante, porque há a mão e o afecto materializado em gestos, que sentes...

Rocha de Sousa disse...

Bela despedida,acariciando nomes e perfumes, lucidamente certa de que
o belo difere consoante a altura a que pairamos sobre o seu referente.
A sua saudade é palpável, a sua segurança é bem avisada pelo saber
das épocas em que o frio queima e a
paz terá outro rosto.
As viagens que fiz, sobrevoando ilhas, penínsulas, lagos e rios,
com casas aconchegadas na verdura,
foram extraordinárias. Fiquei agra-
decido a quem me levou lá.

Manuel Veiga disse...

"nada de novo!..." porém, o espírito aberto ao inesperado...

escrita envolvente. e lúcida. a tua

beijos

M. disse...

A tua sensibilidade e lucidez. De novo, desta vez na hora da despedida que viaja com a saudade a seu lado.