quinta-feira, julho 30, 2009

Amanhecer


Eu quero ser a névoa que se ergue

Para te ver

A humanidade sofredora é cega –

O resto é apenas ser...

Fernando Pessoa



A lua serrada ao meio na escuridão da noite traz os silêncios que as estrelas dizem sobre os caminhos perdidos da infância, sobre os pedestais erguidos em areia molhada que o mar apaga quando as ondas batem nas marés vivas.

Há uma guerra que soa e atroa nos campos da memória, os amigos enganados na defesa de ideais perdidos, outros fugidos sem saberem o fim tortuoso que os acompanhou com a velha da foice lembrando, na encruzilhada de um qualquer aeroporto da vida, que o desfecho estava assinalado no fim da viagem para Pasárgada. Há os que ficaram à espera da justiça, da benevolência dos que se diziam humanos mas deles só viram a iniquidade.

E os outros. Aqueles outros que não marcaram encontros e repousam no fundo das campas nem sequer assinaladas com a cruz, lá onde se disse que esses dois paus cruzados representavam a vida a ser gozada depois, quando o corpo se misturasse com a terra de onde vieram. Querem os que acreditam resgatar ainda o que nada é, sem a memória dos que lhes deram a vida, sem a glória por que lutaram, sem o reconhecimento sequer daqueles a quem eles próprios legaram não mais que o nome.

Eu não gosto do silêncio dos bichos. Mas o silêncio dos homens é de ouro quando se trata de respeitar os seres que os rodeiam, principalmente os seus iguais. Ninguém tem o direito de usar os outros, ninguém tem de fazer nada com eles. Isto é ainda e sempre uma questão de educação que não tivemos, que continuamos a não ter. É uma questão veiculada pela religião que os homens construíram para seu bel-prazer, uma questão que deveria ser de simples humanidade. Respeitar o outro; mas antes, respeitarmo-nos a nós. Somos nós que decidimos sobre o que queremos ser. Ouvir a opinião dos outros é uma coisa; decidir é algo que compete apenas a nós próprios.

Isto deveria ser ensinado desde a infância. Aprender a responsabilidade do que queremos ser. Do que decidimos ser.


5 comentários:

Rocha de Sousa disse...

Sobre as asas e sobre o vento, lá onde nenhuma ave chega, sinto a preparação de dúvidas metódicas e da mesma zanga que parece tomã-la numa surdez dorida. Falar sobre a responsabilidade, mesmo a trivial ao levantar uma mesa, é tocar numa espécie de utopia inatingível. Res-
ponsabilidade e liberdade são tão difíceis de consoliar. A crise dos valores sociais, nesta época de eleições, temos de acrescentar uma doença crónica que esmaga a cultura
à sua dimensão mais vil. Somos ain-
da impressionistas, mas já sabemos
que por aí não descortinámos senão
um efeito óptico, nunca o despoja-
mento, o dever moral, o respeito pelos outros.

Justine disse...

Concordo com as tuas reflexões neste texto claro e sentido. Afinal, tudo se resume a educação e reponsabilidade...

pianistaboxeador21 disse...

Ideologias, pessoas morrem por elas e pessoas riem delas. Vivemos tempos de cinismo.
Eu já tinha comentado este texto antes, mas o comentário, de alguma maneira, se perdeu.
Beijo.


Sempre acertada a epígrafe.

Manuel Veiga disse...

texto digno de figurar no escaparate dos "grandes" padagogos!.

mas quem o lê?... mas quem os lê?...sobretudo, quem os pratica?!..

beijo

M. disse...

Gostei muito deste teu modo veemente e poético de falar de assuntos tão importantes como este.