Pedra a pedra construo o meu poema
e é nele que dos dias me defendo.
Nada sei de emoções manipulo morfemas
e nas cidades sinto a solidão dos campos.
Humano mesmo se demasiado humano
não peço ou posso privilégios de poetas
e desconheço a carne cerebral de que careço nos
sonhos que me semeiam as semanas
cingidas de cidades sossegadas
onde só o silêncio é soberano
Olho devagar o tempo e sei que não quero voltar atrás.
Como se em cada hora o mundo se enleie de prazer, se desfaça em desânimo ou simplesmente adormeça e eu mantenha a capacidade de sentir por todos os poros invadir-me o silêncio duma solidão merecida. Aquela solidão que me preenche a vida e me dá este olhar manso, capaz de ver os homens acordarem a tempo para reconsiderar sobre a sua missão na Terra.
Foi ontem que me atulhei de sonhos, me lavei em lágrimas, me desfiz
Tudo, mas tudo, o que tomei por certo, correcto e verdadeiro na minha construção como pessoa, se desmoronou já depois da casa coberta. Foi o tempo das chuvas, foi o cacimbo agreste, foram as queimadas, foram as tempestades, foi o rio que subiu as margens, as lagoas soçobraram e a vala deixou de correr límpida e lesta. Um dia, o vento levou as telhas e as paredes quedaram-se nuas.
Ser feliz ou infeliz é uma coisa tão vaga que não chega a ter sentido. A felicidade é algo tão etéreo, adejante e breve como uma borboleta, daquelas a quem dão o nome de efemérides porque não duram mais do que o tempo de uma rotação da Terra. Mas uma borboleta é sempre uma borboleta e há-as lindíssimas, de asas coloridas e caprichosamente desenhadas. Algumas têm asas enormes e deslocam-se com a brisa em movimentos irregulares, ondeantes, levíssimas. Quando pousam e se deixam olhar, são fascinantes. Têm um corpo esguio e atento naquelas antenas longas e delicadas, de ponta enrolada.
Pois a felicidade é talvez isso. Pedaços de vida curta e breve. Quando surge é um deslumbramento de asas enormes. Procurá-la, é tolice. Ela simplesmente acontece. O erro humano está na avidez, a necessidade de a possuir, reter, guardar, prender. Só os abraços devem ser intensos, sem tempo cronometrado. Há os abraços que permanecem, mas um abraço é uma entrega mútua, ninguém é abraçado se não abraçar também.
É uma palavra bonita, bonita como uma borboleta.
5 comentários:
A felicidade é uma fulguração,uma vertigem passageira das emoções.Há que aproveitar o momento efémero.Depois, restam os afectos fundos, inquebráveis (como os nossos pelos nossos Nunos...)
Ruy Belo, como poeta, sabe bem o valor estético, e o significado
humano, das palavras silêncio e
solidão. No texto de Jawaa, também poeticamente valioso, tocando a so-
lidão e o silêncio dos longos abra-
ços de mútuo contentamento, isso é
dado como conotável com os levíssi-
mos movimentos da borboleta voando.
Mas a verdade é que os abraços são
atitudes por vezes intensas e afi-
nal breves. Como acontece com as
borboletas, seres de curta duração,
mesmo quando as reservamos na me-
mória - a beleza envolvendo o aper-
tado encontro de duas criaturas com poder de partilhar calor afe-
ctivo num abraço, imaginando a sua
permanência, utopia do sonho.
Rocha de Sousa
Ou como aquelas flores lá em cima. Lindas, lindas!!
Tão etérea, tão efémera, essa Felicidade. Mas há a felicidade feita de pequenas felicidades, de olhar com atenção a beleza à nossa volta. Essa pode durar. E levar-nos a abraçar o mundo. **
Só os abraços. Que se partilham como borboletas em jardim partilham flores.
***
(Sempre achei que uma pessoa ter duas coisas, uma que utiliza, outra que guarda, é cobiça vã para vidas tão breves. Felicidade é também vê-la/fazê-la nos outros. E isto não tem nada de religioso: é a vida natural, em comum, sempre tentada).
Bjinho
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