Venho da terra assombrada
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar
com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
do ventre de minha mãe;
não pretendo roubar nada
nem fazer mal a ninguém.
Só quero o que me é devido
por me trazerem aqui,
que eu nem sequer fui ouvido
no acto de que nasci.
Trago boca para comer
e olhos para desejar
com licença, quero passar,
tenho pressa de viver.
Com licença! Com licença!
Que a vida é água a correr.
Venho do fundo do tempo;
não tenho tempo a perder.
António Gedeão
Eu venho de outros tempos, bem sabe quem me lê.
Por instinto, trato muito bem o cachorrinho bom com que me presenteou o meu velho amigo Índio. Na minha última postagem foi a ele que alimentei, mas os direitos básicos de um ser vivo devem ser preservados e a alimentação do meu cachorrinho mau impõe-se.
Como dizia no início, eu sou tempo em que a profissão de médico, juiz, professor, eram intocáveis no ponto de vista moral, estavam acima de qualquer suspeita. Tudo mentira, todos dançavam ballet.
A democratização do país trouxe as coisas melhores e propiciou as piores, mercê da massificação que se lhe seguiu. A classe dos professores foi uma das mais afectadas ao longo das últimas décadas, sendo a razão principal o facto de a ela ter tido acesso quem não tinha a menor sensibilidade para o exercício da profissão do magistério. A exemplo do que se vem passando com a classe dos médicos, dado que o acesso é garantido por médias elevadas, nem sempre por mérito próprio e por vocação ainda menos, nem os objectivos se prendem com o Juramento de Hipócrates. Mas isso são outros quindins, como aprendi a dizer por outras latitudes. Eu sou professora e é desta profissão que quero falar.
Os nossos governantes não podem esquecer – e parece que querem insistir nessa vertente – que somos pressionados, eu diria antes, coagidos, forçados, a facilitar o acesso dos nossos alunos às universidades que foram proliferando por aí. Acabou-se com o ensino profissional porque todos tinham de ser licenciados por uma qualquer universidade, era preciso mostrar à Europa que tínhamos muitos doutores. O país não tinha necessidade de canalizadores, mecânicos, electricistas, desenhadores, analistas, enfermeiros, regentes agrícolas, agentes técnicos, etc… só havia lugar para engenheiros, arquitectos, médicos, com um Dr. atrás. Agora temos Doutores, por extenso, daqueles que não precisam de saber a tabuada de cor nem de escrever meia dúzia de frases correctas na ortografia ou sintaxe.
Os professores foram obrigados pelo Ministério da Educação a passar os alunos, anos consecutivos, sem que a estes fosse exigido um mínimo de competência na arte da escrita e do cálculo. Eram definidos pelos professores objectivos mínimos, desses mínimos os essenciais, dos essenciais não constava saber o alfabeto nem decorar a tabuada porque era uma violência, bastava a assiduidade às aulas, o bom comportamento, o bom relacionamento, a empatia professor/aluno, as crianças só tinham de ser felizes na escola! Não se lhes podia dizer que ser feliz era cumprir com os seus deveres, que a escola era o primeiro emprego da vida, de responsabilidade, e a felicidade estava no sucesso da aprendizagem, era o prémio pelo esforço de cada um. É ao aluno que compete aprender aquilo que o deve entusiasmar – aí o papel crucial do professor – mas o esforço tem de partir dele, o professor não pode dar tudo sem receber nada em troca.
Eu sou do tempo em que os meus alunos adquiriam conhecimentos sem que eu perdesse tempo com grandes papéis, grandes relatórios, grandes projectos escritos e não tinha um horário de 35 horas, dava muito mais horas à escola! A planificação era feita, os alunos tinham conhecimento dos objectivos que havia a cumprir em cada período, as aulas eram de respeito e trabalho, e o resultado aparecia. Menos tempo fechados na escola, professores e alunos, mais qualidade de ensino e aprendizagem.
E não me venham dizer que é saudosismo, porque não se trata disso. É pensar com a cabeça. Os tempos mudaram, sim. As novas tecnologias vieram para simplificar, não para complicar. Proporcione-se formação aos professores naquilo que pode ser aplicado para facilitar a vida aos alunos e aos professores. Porque uns e outros têm, sim, de sentir-se felizes no seu local de trabalho. Todos sabemos que os professores responsáveis estão muito preocupados. Com os alunos, com o futuro da escola, com o seu próprio futuro. O governo tem de saber distinguir o trigo do joio e não pode, não deve, fazer pagar o justo pelo pecador.
Quero acrescentar por exemplo que há professores das escolas públicas do ensino secundário que têm vindo a fazer formação, já neste período pós-lectivo, para a implementação das EFA (Educação e Formação de Adultos) e para o RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) em Lisboa. Também formação sobre portefólios electrónicos em Braga. Aquela formação tem vindo a ser ministrada por elementos da Direcção Regional de Lisboa, que não sabem responder a qualquer pergunta colocada pelos formandos, quanto à distribuição de serviço a fazer, pois «não há enquadramento legal». Apenas sabem que esses professores deverão fazer este trabalho nas suas horas não lectivas, isto para aqueles que não ficarem em horários zero, é claro, porque esses passarão em breve a supranumerários. Além disso, estes professores têm ido em dias seguidos e alternados, a expensas próprias, pagando do seu bolso transportes, portagens, alimentação, dormidas, de que nunca serão ressarcidos, essa informação foi-lhes dada logo no primeiro dia de formação.
A título de exemplo, o governo do meu país dá chorudos subsídios aos Senhores Deputados só para se deslocarem de casa para o seu local de trabalho – mesmo os que residem em Lisboa – por que será que os Senhores Professores são tratados como lacaios?
Por instinto, trato muito bem o cachorrinho bom com que me presenteou o meu velho amigo Índio. Na minha última postagem foi a ele que alimentei, mas os direitos básicos de um ser vivo devem ser preservados e a alimentação do meu cachorrinho mau impõe-se.
Como dizia no início, eu sou tempo em que a profissão de médico, juiz, professor, eram intocáveis no ponto de vista moral, estavam acima de qualquer suspeita. Tudo mentira, todos dançavam ballet.
A democratização do país trouxe as coisas melhores e propiciou as piores, mercê da massificação que se lhe seguiu. A classe dos professores foi uma das mais afectadas ao longo das últimas décadas, sendo a razão principal o facto de a ela ter tido acesso quem não tinha a menor sensibilidade para o exercício da profissão do magistério. A exemplo do que se vem passando com a classe dos médicos, dado que o acesso é garantido por médias elevadas, nem sempre por mérito próprio e por vocação ainda menos, nem os objectivos se prendem com o Juramento de Hipócrates. Mas isso são outros quindins, como aprendi a dizer por outras latitudes. Eu sou professora e é desta profissão que quero falar.
Os nossos governantes não podem esquecer – e parece que querem insistir nessa vertente – que somos pressionados, eu diria antes, coagidos, forçados, a facilitar o acesso dos nossos alunos às universidades que foram proliferando por aí. Acabou-se com o ensino profissional porque todos tinham de ser licenciados por uma qualquer universidade, era preciso mostrar à Europa que tínhamos muitos doutores. O país não tinha necessidade de canalizadores, mecânicos, electricistas, desenhadores, analistas, enfermeiros, regentes agrícolas, agentes técnicos, etc… só havia lugar para engenheiros, arquitectos, médicos, com um Dr. atrás. Agora temos Doutores, por extenso, daqueles que não precisam de saber a tabuada de cor nem de escrever meia dúzia de frases correctas na ortografia ou sintaxe.
Os professores foram obrigados pelo Ministério da Educação a passar os alunos, anos consecutivos, sem que a estes fosse exigido um mínimo de competência na arte da escrita e do cálculo. Eram definidos pelos professores objectivos mínimos, desses mínimos os essenciais, dos essenciais não constava saber o alfabeto nem decorar a tabuada porque era uma violência, bastava a assiduidade às aulas, o bom comportamento, o bom relacionamento, a empatia professor/aluno, as crianças só tinham de ser felizes na escola! Não se lhes podia dizer que ser feliz era cumprir com os seus deveres, que a escola era o primeiro emprego da vida, de responsabilidade, e a felicidade estava no sucesso da aprendizagem, era o prémio pelo esforço de cada um. É ao aluno que compete aprender aquilo que o deve entusiasmar – aí o papel crucial do professor – mas o esforço tem de partir dele, o professor não pode dar tudo sem receber nada em troca.
Eu sou do tempo em que os meus alunos adquiriam conhecimentos sem que eu perdesse tempo com grandes papéis, grandes relatórios, grandes projectos escritos e não tinha um horário de 35 horas, dava muito mais horas à escola! A planificação era feita, os alunos tinham conhecimento dos objectivos que havia a cumprir em cada período, as aulas eram de respeito e trabalho, e o resultado aparecia. Menos tempo fechados na escola, professores e alunos, mais qualidade de ensino e aprendizagem.
E não me venham dizer que é saudosismo, porque não se trata disso. É pensar com a cabeça. Os tempos mudaram, sim. As novas tecnologias vieram para simplificar, não para complicar. Proporcione-se formação aos professores naquilo que pode ser aplicado para facilitar a vida aos alunos e aos professores. Porque uns e outros têm, sim, de sentir-se felizes no seu local de trabalho. Todos sabemos que os professores responsáveis estão muito preocupados. Com os alunos, com o futuro da escola, com o seu próprio futuro. O governo tem de saber distinguir o trigo do joio e não pode, não deve, fazer pagar o justo pelo pecador.
Quero acrescentar por exemplo que há professores das escolas públicas do ensino secundário que têm vindo a fazer formação, já neste período pós-lectivo, para a implementação das EFA (Educação e Formação de Adultos) e para o RVCC (Reconhecimento, Validação e Certificação de Competências) em Lisboa. Também formação sobre portefólios electrónicos em Braga. Aquela formação tem vindo a ser ministrada por elementos da Direcção Regional de Lisboa, que não sabem responder a qualquer pergunta colocada pelos formandos, quanto à distribuição de serviço a fazer, pois «não há enquadramento legal». Apenas sabem que esses professores deverão fazer este trabalho nas suas horas não lectivas, isto para aqueles que não ficarem em horários zero, é claro, porque esses passarão em breve a supranumerários. Além disso, estes professores têm ido em dias seguidos e alternados, a expensas próprias, pagando do seu bolso transportes, portagens, alimentação, dormidas, de que nunca serão ressarcidos, essa informação foi-lhes dada logo no primeiro dia de formação.
A título de exemplo, o governo do meu país dá chorudos subsídios aos Senhores Deputados só para se deslocarem de casa para o seu local de trabalho – mesmo os que residem em Lisboa – por que será que os Senhores Professores são tratados como lacaios?
Há por acaso escravatura em Portugal?
1 comentário:
Olá amiga
Sempre que por aqui passo, saio preenchida! Aprendo sempre novas histórias, novas vivências, experiências de quem já passou e carregda dentro de si muita sabedoria.
Gostei muito de ler este pedaço rico de si.
O poema escolhido, fez-me arrepiar.
Um beijinho
e um bom fim de semana
Daniela
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