sábado, maio 27, 2006

Luandino

«Escrevo-te da Montanha, do sítio onde medram as raízes deste livro. Vim ver a sepultura do Alma Grande e percorrer a via sacra da Mariana. Encontrei tudo como deixei o ano passado, quando da primeira edição destas aventuras. Apenas vi mais fome, mais ignorância e mais desespero. Corre por esses montes um vento desolador de miséria que não deixa florir as urzes nem pastar os rebanhos. O social juntou-se ao natural, e a lei anda de mãos dadas com o suão a acabar de secar os olhos e as fontes. Crestados e encarquilhados, os rostos dos velhos parecem pergaminhos milenários onde uma pena cruel traçou fundas e trágicas legendas. Na cara lisa dos novos pouca mais esperança há. Ora eu sou escritor, como sabes. Poeta, prosador, é na letra redonda que têm descanso as minhas angústias. Mas nem tudo se imprime. Ao lado do soneto ou do romance que a máquina estampa, fica na alma do artista a sua condição de homem gregário…»

Miguel Torga


Pois é, nem tudo se imprime. E, por vezes, o desespero é tão grande, é tal o sentido de impotência por se ver a realidade tão distante do que idealizamos, que se perde a voz e o alento.

Luandino deixou de «sentir» para sua própria defesa. Depois de ter sido preso e humilhado pela PIDE, pela simples razão de manifestar-se a favor da independência da terra que sempre considerou sua, a ela regressou mal aquela se concretizou, em 1975.

Labutou no terreno pela reconstrução do país novo, foi presidente da Radiotelevisão Popular de Angola, dirigiu o Instituto de Cinema e foi membro fundador da União dos Escritores Angolanos onde exerceu funções de secretário-geral, desde a sua fundação a 10 de Dezembro de 1975, até 1992.

Mas os ideais por que lutara no MPLA morreram com Agostinho Neto. Talvez. Conheci famílias inteiras da geração anterior à minha, já nascidos em Angola, que lutaram como professores, médicos, apaziguando misérias mesmo após a descolonização, em condições inenarráveis, gente que a Angola dedicou toda a sua vida. Foram assassinados, ultrajados, trucidados por vinganças, incompreensões e egoísmos. Que ainda grassa, explora, escraviza.

Talvez cansado, talvez desgostoso, mortificado, Luandino sentiu-se impotente. Regressou a Portugal em 92 e afundou num mosteiro algures numa serra, em Vila Nova de Cerveira.

Parece que recomeçou a escrever, dez anos depois.

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