«O Tejo é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia…»
Cresci no coração de Angola, no planalto do Huambo, na cidade mais linda que nunca foi aldeia ou vila sequer; nasceu cidade por decreto de Norton de Matos em 8 de Agosto de 1912. Vicente Ferreira a fez capital da então colónia portuguesa (por três dias apenas, que S. Paulo de Luanda mais não permitiu) e lhe deu a graça de Nova Lisboa, com um sonho mais alto: o de vir a ser a capital do Império.
Os impérios entram em decadência inexoravelmente, os países demoram a encontrar o seu equilíbrio, as cidades degradam-se, as vilas esmorecem, as aldeias são engolidas pelo progresso. Mas os rios permanecem enquanto as nuvens se derramarem em chuva, as neves dos cerros derreterem em cada Primavera, enquanto brotar água da nascente. As recordações também. Por isso a minha cidade é a mais bela.
«Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.»
Alberto Caeiro
As mais belas cidades do mundo cresceram junto a um curso de água. De Lisboa a Paris, Londres ou Budapeste, o rio é a alma das cidades, de início o elo de comunicação que as ligava aos outros povos, outros mundos. A minha cidade nasceu por obra e graça do CFB (Caminho de Ferro de Benguela), o Nilo de Angola, que atravessava todo o país até ao Congo, às minas fabulosas do Katanga.
Porém muitos rios de Angola nascem no planalto central, a cerca de 2000 metros de altitude, e os rios que povoaram a minha infância estavam ali ao lado. O Kurimahala e o Kunhungama eram local de piqueniques ao fim-de-semana para umas belas pescarias; o Kuando, lugar privilegiado para passeios domingueiros, alimentava uma central eléctrica e estendia-se por largos quilómetros acima; tinha-se tornado uma praia fluvial, perto da Missão Católica, e alimentava os gostos dos caçadores pela abundância de patos bravos que ali faziam criação. Também as javas, eventualmente gansos selvagens, faziam ali as suas paragens migratórias, talvez nidificação, pois chegavam aos bandos, de longo pescoço e batidas de asas espaçadas, o que as distinguia dos outros patos. Foram sempre as minhas preferidas, detentoras para mim do poder de voar alto, de mergulhar, de trazer consigo a sabedoria de outras paragens e não gostava que meu pai as visasse com a sua arma, embora fosse ponto de glória para ele caçar alguma. O Kolongo, o Keve e o Kuito estão dentro de mim e voltarei a eles, como o Kunene que também nasce no Huambo.
A minha cidade não é mais a mesma e os meus rios não são iguais, estão cheios de minas, mas a minha memória persiste incólume e não tenciono regressar onde fui feliz; além disso, citando outra vez Neruda: «Quando estamos longe da pátria nunca a recordamos em seus Invernos».
Todavia o cacimbo regressa em todos os Maios, as chuvas continuam a alimentar os veios de água que vão adensar os rios que eu conheci e dar caudal intenso aos grandes rios africanos.
Mas o Tejo não é mais belo que o rio que corre pela minha aldeia
Porque o Tejo não é o rio que corre pela minha aldeia…»
Cresci no coração de Angola, no planalto do Huambo, na cidade mais linda que nunca foi aldeia ou vila sequer; nasceu cidade por decreto de Norton de Matos em 8 de Agosto de 1912. Vicente Ferreira a fez capital da então colónia portuguesa (por três dias apenas, que S. Paulo de Luanda mais não permitiu) e lhe deu a graça de Nova Lisboa, com um sonho mais alto: o de vir a ser a capital do Império.
Os impérios entram em decadência inexoravelmente, os países demoram a encontrar o seu equilíbrio, as cidades degradam-se, as vilas esmorecem, as aldeias são engolidas pelo progresso. Mas os rios permanecem enquanto as nuvens se derramarem em chuva, as neves dos cerros derreterem em cada Primavera, enquanto brotar água da nascente. As recordações também. Por isso a minha cidade é a mais bela.
«Mas poucos sabem qual é o rio da minha aldeia
E para onde ele vai
E donde ele vem.
E por isso, porque pertence a menos gente,
É mais livre e maior o rio da minha aldeia.»
Alberto Caeiro
As mais belas cidades do mundo cresceram junto a um curso de água. De Lisboa a Paris, Londres ou Budapeste, o rio é a alma das cidades, de início o elo de comunicação que as ligava aos outros povos, outros mundos. A minha cidade nasceu por obra e graça do CFB (Caminho de Ferro de Benguela), o Nilo de Angola, que atravessava todo o país até ao Congo, às minas fabulosas do Katanga.
Porém muitos rios de Angola nascem no planalto central, a cerca de 2000 metros de altitude, e os rios que povoaram a minha infância estavam ali ao lado. O Kurimahala e o Kunhungama eram local de piqueniques ao fim-de-semana para umas belas pescarias; o Kuando, lugar privilegiado para passeios domingueiros, alimentava uma central eléctrica e estendia-se por largos quilómetros acima; tinha-se tornado uma praia fluvial, perto da Missão Católica, e alimentava os gostos dos caçadores pela abundância de patos bravos que ali faziam criação. Também as javas, eventualmente gansos selvagens, faziam ali as suas paragens migratórias, talvez nidificação, pois chegavam aos bandos, de longo pescoço e batidas de asas espaçadas, o que as distinguia dos outros patos. Foram sempre as minhas preferidas, detentoras para mim do poder de voar alto, de mergulhar, de trazer consigo a sabedoria de outras paragens e não gostava que meu pai as visasse com a sua arma, embora fosse ponto de glória para ele caçar alguma. O Kolongo, o Keve e o Kuito estão dentro de mim e voltarei a eles, como o Kunene que também nasce no Huambo.
A minha cidade não é mais a mesma e os meus rios não são iguais, estão cheios de minas, mas a minha memória persiste incólume e não tenciono regressar onde fui feliz; além disso, citando outra vez Neruda: «Quando estamos longe da pátria nunca a recordamos em seus Invernos».
Todavia o cacimbo regressa em todos os Maios, as chuvas continuam a alimentar os veios de água que vão adensar os rios que eu conheci e dar caudal intenso aos grandes rios africanos.
Por alguma razão a água é o símbolo da eternidade.
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