Quando
Quando o meu corpo apodrecer e eu for morta
Continuará o jardim, o céu e o mar,
E como hoje igualmente hão-de bailar
As quatro estações à minha porta.
Outros em Abril passarão no pomar
Em que eu tantas vezes passei,
Haverá longos poentes no mar,
Outros amarão as coisas que eu amei.
Será o mesmo brilho, a mesma festa,
Será o mesmo jardim à minha porta,
E os cabelos doirados da floresta,
Como se ainda não estivesse morta.
Sophia de Mello Breyner Andresen
Dizer vinte anos é muito tempo.
Dizer quarenta anos é uma vida, foi a vida de meu irmão. Mais vinte e são
vidas, muitas vidas que se cruzam, que se apagam, que se transformam. É nascer
outra vez, algumas vezes.
Quarenta anos dizia meu pai quando eu era menina e parecia-me assim uma coisa do outro mundo: há quarenta anos...
E hoje, quarenta e seis anos depois, foi a vez de esquecer uma das horas mais felizes que marcaram a minha vida. As horas já são pequenas para mim, deve ser, elas saltam, apagam a memória cansada, escondidas no novelo apertado da mesma cor, do mesmo fio, mas na outra ponta.
Há quarenta e seis anos foi um tempo difícil, foi um tempo de desassossego, foi um tempo de incertezas, de certezas inesperadas e duras, foi um tempo de decisões, de afirmação, de muita esperança também. O deslumbramento da concretização de um sonho a completar, completado.
Aquele ser pequenino veio encher o meu mundo, dar-me força para enfrentar os empreendimentos a que me propus, nunca houve cansaço, dor que me derrubasse.
E se foi difícil! Mas foi vida na sua plenitude.
Veio a desesperança, anos mais
tarde. Dolorosa. E tudo se recompôs porque a vida é assim mesmo, feita de
recomeços uma e outra vez, o oceano imenso a encher-me por dentro, por vezes a
transbordar com as marés.
Mas este verão, é tempo de reencontro.
2 comentários:
"porque a vida é assim mesmo..."
sábias, sensíveis e belas as tuas reflexões...
beijo
A beleza das palavras.
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