"Quando
estivermos no poder, retiraremos dos programas educativos todas as matérias que
possam perturbar o espírito dos jovens e vamos reduzi-los a crianças
obedientes, que amarão os seus soberanos. Em vez de os fazer estudar os
clássicos e a história antiga, que contêm mais exemplos maus do que bons, vamos
fazê-los estudar os problemas do futuro. Apagaremos da memória dos homens a
recordação dos séculos passados, que poderia ser desagradável para nós. Com uma
educação metódica, saberemos eliminar os resíduos daquela independência de
pensamento da qual nos temos servido para os nossos fins desde há muito tempo...
Vamos aplicar uma dupla taxa sobre os livros com menos de trezentas páginas, e
estas medidas obrigarão os escritores a publicar obras tão longas que terão
poucos leitores. Nós, pelo contrário, publicaremos obras baratas para educar a
mente do público. A taxação determinará uma redução da literatura prazenteira,
e ninguém que nos deseje atacar com a sua pena encontrará um editor."
Humberto Eco in «O Cemitério de Praga»
Muitas vezes me pergunto se o que
as pessoas dizem umas às outras em conversas informais é completamente aquilo
que sentem, que pensam. A resposta é que não é. Quase nunca é. Mesmo numa roda
de amigos mais seleccionada, em que todos se conhecem, e por isso mesmo, há
sempre o cuidado de não ferir a susceptibilidade do outro, aquele outro de que
conhecemos as raízes e o pensamento nem sempre coincidente com o nosso. Quando
avançamos com uma ideia ou proposta contrária tem de ser com passos leves, com
a hipocrisia que a educação nos ensinou a vida inteira.
Ninguém se despe por completo
diante dos outros, do outro, há sempre uma roupagem levíssima que seja, um
alindar de rosto, noutros casos um rasgão de roupa que nem sequer aconteceu.
Todos os dias, em múltiplas circunstâncias, me assalta esta pergunta. Quando em
roda de uma mesa todos conversam, eu também, a pouco e pouco mais calada até
surgir esta pergunta inconveniente cá dentro. É sempre assim, quase sempre
assim. A escrita é mais honesta, mais proba, há a possibilidade de
contextualizar a mensagem que se quer passar e pode dizer-se tudo.
Hoje falou-se de um programa da
TV que não tive oportunidade de ver, versava
o comentário sobre uma obra de arte da Idade Média em que uma mulher era
representada com alterações no corpo que indiciavam a enfermidade aterradora
que é o cancro da mama. Discutia-se a veracidade desta apreciação, nunca antes
encarada como tal. Teria sido intenção do pintor revelar a doença com realismo
ou apenas inabilidade do autor da obra?
Não creio. Nem me parece que haja
algo a discutir. Desconheço o autor, sugiro apenas que, por ele, ou a verdade (inconveniente
para a época) ou simplesmente uma obra inacabada.
2 comentários:
Creia bem, Umberto tinha razão. A
cultura, a todos os níveis está a
massificar-se, baixando os níveis
e intensificando-se as bandas. Um
aluno do secundário, debita quinze
andas, estilos, ídolo e seus asse-
sores. Mas esse mesmo aluno não
sabe identificar a data de 1640.
Acredito no realismo do quadro.
as "heresias" pagam um preço elevado...
... e a independência de espírito também...
... e os impublicáveis livros pequenos.
beijo
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