quinta-feira, maio 16, 2013

RENOVAÇÃO




É urgente o amor.
É urgente um barco no mar.

É urgente destruir certas palavras,
ódio, solidão e crueldade,
alguns lamentos,
muitas espadas.

É urgente inventar alegria,
multiplicar os beijos, as searas,
é urgente descobrir rosas e rios
e manhãs claras.

Cai o silêncio nos ombros e a luz
impura, até doer.
É urgente o amor, é urgente
permanecer. 
Eugénio de Andrade




Quando a vida é muito longa e o pensamento se espraia pelas memórias dos anos vividos, os momentos chegam de supetão e nem sempre os mais felizes acorrem sem que os chamem os neurónios marcados pela dor, enquistados como as articulações deformadas pela artrite. Já não dói, já não acorda as noites longas - salvo se a febre nos corrói o corpo - mas os olhos da alma vêem a deformação o desvio a enormidade, o assombro daquele momento desmedido em que a vida se entornou, esvaziada, perdida.

Foi preciso dizer para dentro que o diamante não brilha na escuridão, que a flor perde a cor quando a luz se apaga, foi preciso acreditar no determinismo da natureza pródiga para ter esperança. E então esperar a luz de um dia novo.

Parece que vai chover amanhã, dizem os meteorologistas, na sua precisão previsiva. Mas vai ser uma chuva sem sal, pura e mansa a soar pelos beirais. Ou nem tanto. Afinal, o verão anuncia-se com uma primavera a instalar-se a passos mansos, as aves fazendo e refazendo ninhos na azáfama habitual, as árvores floridas no tempo certo já cobertas de folhagem e frutos escondidos nela, a luz permanecendo acordada até mais tarde do dia.

Nada mais acertado do que esperar a passagem do tempo, essa criatura a que só os homens antigos deram rosto e é feita de justiça implacável, a justiça nem sempre aceite com bondade porque se opõe à justiça que os homens fazem agora de olhos abertos e sem espada, porque as artes da guerra são outras e o mundo quer-se apenas ao jeito de alguns, poucos.

Resta olhar em volta, perto, muito perto, devolver aos sentidos a sua função primeira, deixar que eles afoguem em beleza e paz o que o mundo nos nega a cada instante, respirar fundo e encontrar força para voltar à razão.

1 comentário:

Manuel Veiga disse...

lucidez vibrante e sensível. que alimenta.

beijo