Perspectivas tenebrosas:
- Ser escritor é muito bonito para morrer à fome.
Lamentos:
- Porque não és tu como os outros?
Avisos:
- Olha que não sais do quarto durante as férias do Natal.
Queriam o que julgavam a minha felicidade, acho eu. Bem quiseram e não serviu de nada. A
viúva da orquídea alcançou finalmente a porta e olhou para trás, com
toda a tristeza do mundo na cara envelhecida: palavra de honra que
deviam chover lágrimas quando o coração pesa muito.
António Lobo Antunes
Deviam chover lágrimas quando o coração pesa
muito.
Desculpa, António, ter-me apropriado das tuas
palavras sem te pedir licença, ainda por cima sem nos conhecermos, sem fazermos
parte de um mesmo qualquer círculo de amigos. É que esta frase caiu tão bem
dentro de mim hoje, quando reli uma daquelas crónicas que publicas na Visão e
eu leio, não direi que religiosamente porque não sou religiosa, mas
esperadamente em cada quinzena. Tenho um dos teus livros de crónicas, que
comprei num dia maçador à espera numa estação de correios atulhada de gente,
mas felizmente com livros.
Falei contigo uma vez só, ou antes,
dirigiste-me tu a palavra, depois de ouvires segredar no teu ouvido o nome que
eu havia declinado mas não tinha atingido os teus tímpanos endurecidos pelos
anos de tanto nome, tanto nome a pedir uma dedicatória em tanto livro
publicado. Levantaste então os olhos para mim, azuis, cansados, doces, e
lembraste um livro da nossa infância, um livro onde havia um cavalo do tempo e
uma menina com este nome que me deram, saído das arcas antigas.
Tens sido o meu grande companheiro, foste o
meu companheiro fiel quando o tempo se encheu de preocupações sem tamanho,
ocupações de corpo que me retiraram o tempo de digitar palavras, sequer de
conversar sossegadamente comigo. Aconteceu por acaso, apenas porque um dos teus
livros pousava na altura onde sempre descansa algum para a fuga do dia. Como
era um livro de crónicas, abria-o ao acaso e lá estavas tu com aquelas histórias
que se vê bem serem tiradas das memórias breves de um canto da tua memória, que
tu tão bem torces e retorces e adaptas ao que os teus olhos percorrem em cada
dia que passa.
O meu coração pesa muito, pesa de saudade e
já não tem grande força para suportar. Mas, por outro lado, pesa agora cheio de
lágrimas comovidas pelas alegrias que me enchem, como as flores enchem a casa
de cor. Vou querer merecer até ao fim dos meus dias a ternura dos meus meninos nas
palavras grafadas no objecto precioso que me depositaram em mãos.
«L’amour n’a rien de mystérieux» disse o
poeta, e eles a mim. Obrigada, meus filhos.
3 comentários:
o escritor é ornamento - o "suave milagre" é teu...
tão belo, que dói.
beijo
LINDÍSSIMO!
o peso da funda alegria. que o sintas muitas vezes, querida jawaa. tua leitora atenta, sempre.
um abraço.
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