Durante quatro anos suportaram os
aliados embates sobre embates dos Alemães. Aguentaram-nos conforme os Deuses
foram servidos, ora bem, ora mal, ora confiando, ora descrendo, até que o mais
velho dos Deuses, o Tempo, lhes concedeu a vitória. E durante esses quatro
anos, e através da dura experiência que eles foram, aprenderam — com que
proveito, ainda se não sabe — pelo menos uma coisa. Repararam que a força da
Alemanha provinha, não da valentia notável dos componentes individuais dos seus
exércitos, não da perícia especial dos seus chefes militares, mas de ser na
guerra o que era na paz, e na disciplina particular da vida guerreira o que era
no geral de toda a sua vida — uma nação plenamente organizada, coerindo
dinamicamente em virtude de uma aplicação inteligente e estudada dos princípios
de organização. A inveja é mãe do estímulo, como a curiosidade o é da ciência;
da inveja da organização alemã nasceu o falar-se tanto em organizar tanta
coisa.
Fernando Pessoa in «Sobre Portugal - Introdução ao Problema
Nacional» – 1919
Amanheci. A luz esgueirando-se
lentamente por sobre os pensamentos estremunhados, sem assustar os que se
refugiam ainda nas sombras da noite que se esvai, a claridade a anunciar o
sustento dos que dela recebem vida. Sem soberba, sem a pretensão de dominar o
mundo porque sabe que a sua duração é passageira, antes com a humildade de quem
tem consciência do poder imenso que rege o universo, que regula os espaços e os
lugares, o poder que segura as rédeas do cosmos, ciente de que um dia a
escuridão vai prevalecer.
Cresci como a glicínia que se
espreguiça no muro e floresce em tons de lilás transpirando perfume a convidar
ao banquete oferecido. O mundo é diferente agora, só porque chegou a primavera.
Que me importa saber que o verão vai sugar-me um pouco mais, vai vincar mais
rugas, o outono vai fustigar-me de vento e deixar-me sem folha, sem fôlego, o
inverno logo ali, mais branco, mais cãs, mais cansaço.
Este ano há muitas rosas – e mais
uma rosa! – no meu espaço, porque a terra se manteve húmida por largos meses,
porque o sol chegou e trouxe calor. Este ano vou encher os olhos delas,
aspirar-lhes o perfume, e deixar encerradas as janelas que me fazem assistir à incapacidade
de organização, à derrocada dos edifícios que também me empenhei em ajudar a construir.
1 comentário:
mítica ilha. ainda...
sábia inquietude. a tua...
beijo
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