Viúvo
é o que perde uma parte da vida e sobrevive, que existe com a morte dentro de
si – acabamos todos por ser viúvos, viúvos de pessoas, de sentimentos, de
sonhos, de esperanças, seres metade no lado de cá, metade no lado de lá,
sagitários em cavalgadas brumosas.
Fernando
Dacosta in «O Viúvo - Memórias do Fim do Império»
Os dias sucedem-se aos dias
às noites, aos meses aos anos, o pensamento ocupado em equilíbrios nem sempre
fáceis, correndo escoando afundando no corpo que a terra consome aos poucos, naturalmente,
como natural é a chuva que cai no Outono, a despir as árvores e a anunciar o
Inverno.
Eu gosto de ouvir de ver
chover no refúgio da cama, por detrás das vidraças, longe vai o tempo e longe
as paragens onde as primeiras chuvas do ano eram recebidas pelo corpo de braços
abertos, a cara voltada ao céu, os olhos fechados para esconder o medo dos
raios que surgiam atrás das nuvens. Ou então na praia, raras chuvaradas a lavar
o calor húmido dos trópicos.
Agora os dias arrastam-se
brumosos, a água a fertilizar as terras a encher os veios a afundar até aos
lençóis freáticos que hão-de guardá-la pura para brotar de novo a apagar a sede
dos homens e dos bichos. Todavia o excesso incomoda, apetece fazer parar como
ao pensamento como aos milhões de euros que neste país se escoam pela terra
adentro como se as nuvens não parassem para dar lugar ao sol.
Como o pensamento, disse,
não se pode parar mas pode-se escolher caminhos, múltiplos, inevitáveis alguns,
difíceis e necessários outros, um caminho que tenha uma saída minimamente
plausível que nos exclua da violência psicológica a que nos sujeitamos dia a
dia. Um caminho que não seja a sangria dos jovens deste país envelhecido, que
não seja a violência gratuita nas ruas, que não seja o oportunismo e a falsidade
como desculpa para a sobrevivência.
Não somos pobres, nunca
seremos pobres. Saber viver com pouco dentro da nossa riqueza histórica e
geográfica poderá conduzir-nos a aprofundar a nossa cultura já elevada, capaz
de ombrear com qualquer um dos que têm hoje maior poder económico, mas o
exemplo tem de partir de cima, temos de ter governantes impolutos, temos de ter
uma assembleia que nos represente com exclusividade, com a dignidade que
merecemos.
Pensar, é preciso. Pôr a mão
na consciência. E agir, se faz favor.
3 comentários:
Concordo contigo - temos capacidades para viver dignamente, para haver mais justiça, para que as relações sejam mais humanas. Mas para isso temos de ter os tais governantes honestos, gente de bem e não o bando de criminosos que neste momento está a destruir pessoas e o país...
(sim,é a nossa Licínia, cuja poesia está cada vez mais despurada, mais luminosa!)
Um beijo
reconfortante ler-te assim. em tua lucidez serena. e generosa...
beijo
Tenho-te lido e apreciado na clareza das tuas palavras.
Enviar um comentário