O orgulho
não é um exclusivo dos grandes países, porque ele não tem que ver com a
extensão de um território, mas com a extensão da alma que o preencheu. A alma
do meu país teve o tamanho do mundo. Estamos celebrando a gesta dos portugueses
nos seus descobrimentos. Será decerto a altura de a Europa celebrar também o
que deles projectou na extraordinária revolução da sua cultura. Uma língua é o
lugar donde se vê o mundo e de ser nela pensamento e sensibilidade. Da minha
língua vê-se o mar. Na minha língua ouve-se o seu rumor como na de outros se
ouvirá o da floresta ou o silêncio do deserto.
Vergílio
Ferreira, «A Voz do Mar»
Temo que a
inquietação permanente do guardador de rebanhos que existe no fundo de
todos nós não deixa de ser o rumor das vagas que liga a nossa língua aos
pedaços de mundo onde chega a fala portuguesa, adoçada de tonalidades, salgada
pelas latitudes e de sabor único nos crioulos de Cabo Verde ou Malaca crescendo
autónomos.
Temo ainda
que o poder e beleza ímpar da nossa língua não se esgote em Pessoa e Camões,
como actualmente parece impor-se de modo assertivo, deixada - por exemplo - ao
esquecimento a propriedade inexcedível do uso da língua na oratória de António
Vieira. O Padre António Vieira que enfrentou aqueles a quem deveria prestar
obediência cega, para defender os que precisavam e impor a justiça entre os
homens só por o serem.
A geração a
que pertenço pagou um preço muito alto por todas as iniquidades cometidas desde
os Descobrimentos, já nessa altura por cobiça e ambição desmedida, os seres
humanos escravizados, vendidos, vilipendiados. Pagou e doeu muito, negros e
brancos fustigados em vários espaços de guerra, guerras de corpos mutilados,
guerras de almas devastadas que só a morte vai apagar.
É em nome de
tudo isso que a Língua Portuguesa tem de ser mantida e acarinhada com o maior
zelo, ela é a medida do nosso país no mundo global, esse mundo onde ela viceja,
não por imposição ou violência, mas por um sentimento maior que nos ultrapassa
e tem a ver com os afectos, as marcas deixadas na alma das gentes e que perdura
por gerações. É obrigação de todos nós não deixar cair as pontes que nos unem,
antes reforçá-las em todos os sentidos, por todas as vias.
Temo
finalmente que esta união seja o caminho possível para que Portugal tenha a
verdadeira consciência da sua posição no mundo e deixe de uma vez de dobrar-se a
um servilismo que não faz qualquer sentido.
3 comentários:
A citação de Fernando Pessoa casou muito bem com toda a intensidade de suas linhas ;)
Beijos =)
como (me) é tocante teu belo texto!...
... e a evocação do Pe. António Vieira!
(sonhemos o Futuro)
beijo
Uma excelente convocação em Vergilio
Ferreira, ele que falava uma língua que via o mar -- e oportunas conside-
rações (e temores) sobre a preserva-
ção da língua portuguesa, lutando pe-
la sua beleza intrínseca e densidade
expressiva, contra todos males de to-
das as massificações
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