Mas
ainda que a arte não estivesse em silêncio, ainda que ela por absurdo fosse um
perfeito valor fora de um Valor que a transcenda, é irresistível a pergunta
sobre o destino do artista. Porque a sua arte pode perdurar pelos séculos, mas
o artista, simplesmente, pequenamente, morre.
Virgílio
Ferreira in «Invocação ao meu Corpo»
Paro,
necessariamente quieta diante do mar em frente que toma conta da terra inteira e
não deixa lugar para mais caminhada.
E
é uma música leve que entoa, o marulhar das ondas sem fúria, um vai-vem
sussurrante de conversa amena com a areia, todo o espaço adiante sereno como um
lago imenso, só ondeado o suficiente para reflectir uma luz diferente a lembrar
que pulsa, que há vida intensa por baixo da quietude aparente, pronta a entoar
cânticos de arrebatamento, assim os ventos e o céu se conjuguem.
Serenidade,
precisa-se.
Olhar
os grãos de areia em volta, as pedras redondas, poucas, os restos de conchas,
caminhar então ao longo da orla em direcção às rochas maiores bordadas de lapas
e mexilhões escuros pacientemente à espera da maré alta, um ou outro
caranguejo, ouriços do mar e algas brilhantes, outras depositadas em monte na
areia, secas, pontilhadas de insectos e uma vontade sem tamanho de mergulhar de
corpo inteiro na água.
Contenção,
precisa-se.
O dia
avança, sol aquece a terra e faz erguer uma névoa que desmaia o azul e deixa um
bafo ardente que incomoda o corpo, a areia morde nos pés descalços, o ar quente
mal entra nos pulmões, os lábios secam e uma sede imensa cresce por dentro.
Água doce, precisa-se.
A
água do mar não é potável.
2 comentários:
se a água do mar fosse potável imagina a quantidade de náufragos...
água na concha das mãos - puríssima! assim teu texto.
beijo
Dir-se-ia que estas são belas pa-
lavras para os humanos inquilinos da Terra e sempre prontos a devas-
tá-la, por indizíveis ganâncias, até Á ÚLTIMA GOTA.
rocha de sousa
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