sexta-feira, junho 01, 2012

Constatação

Mas ainda que a arte não estivesse em silêncio, ainda que ela por absurdo fosse um perfeito valor fora de um Valor que a transcenda, é irresistível a pergunta sobre o destino do artista. Porque a sua arte pode perdurar pelos séculos, mas o artista, simplesmente, pequenamente, morre.

Virgílio Ferreira in «Invocação ao meu Corpo»



Paro, necessariamente quieta diante do mar em frente que toma conta da terra inteira e não deixa lugar para mais caminhada.

E é uma música leve que entoa, o marulhar das ondas sem fúria, um vai-vem sussurrante de conversa amena com a areia, todo o espaço adiante sereno como um lago imenso, só ondeado o suficiente para reflectir uma luz diferente a lembrar que pulsa, que há vida intensa por baixo da quietude aparente, pronta a entoar cânticos de arrebatamento, assim os ventos e o céu se conjuguem.
Serenidade, precisa-se. 

Olhar os grãos de areia em volta, as pedras redondas, poucas, os restos de conchas, caminhar então ao longo da orla em direcção às rochas maiores bordadas de lapas e mexilhões escuros pacientemente à espera da maré alta, um ou outro caranguejo, ouriços do mar e algas brilhantes, outras depositadas em monte na areia, secas, pontilhadas de insectos e uma vontade sem tamanho de mergulhar de corpo inteiro na água.
Contenção, precisa-se.

O dia avança, sol aquece a terra e faz erguer uma névoa que desmaia o azul e deixa um bafo ardente que incomoda o corpo, a areia morde nos pés descalços, o ar quente mal entra nos pulmões, os lábios secam e uma sede imensa cresce por dentro. Água doce, precisa-se.

A água do mar não é potável.

2 comentários:

Manuel Veiga disse...

se a água do mar fosse potável imagina a quantidade de náufragos...

água na concha das mãos - puríssima! assim teu texto.

beijo

Rocha de Sousa disse...

Dir-se-ia que estas são belas pa-
lavras para os humanos inquilinos da Terra e sempre prontos a devas-
tá-la, por indizíveis ganâncias, até Á ÚLTIMA GOTA.
rocha de sousa